– canta e encanta em Sarau Literário –

Maria José Rocha Lima*
O Sarau Literário promovido por nossa querida amiga Therezamaria, que “não cansa de guerra”, como quis reconhecê-la o poeta Miguel Lucena (que encerrou o certame declamando uma de suas poesias), elevou o encontro a uma dimensão inimaginável.
Houve muita poesia — entre as quais O Rio da Minha Aldeia, de Fernando Pessoa, muito apreciada — e histórias impressionantes, além de uma palhinha musical conduzida pelo professor Júnior Viegas, do Clube do Choro.
Tudo estava primorosamente preparado, com uma mesa ricamente ornamentada e servida. O ambiente evocou séculos pretéritos, especialmente pela lembrança da camponesa contadora de histórias alemã que inspirou os Irmãos Grimm.
O evento teve caráter ainda mais especial com a presença de mulheres preciosas: a socióloga Dolores Pierson; o músico e professor do Clube do Choro, Júnior Viegas; a jornalista Camélia Dib Netto, a soroptimista Eliane de Campos, a professora aposentada Ruth, da UnB, e a jornalista e advogada Lucimar Bonfim — nora de Therezamaria, que compartilha alegremente as aventuras literárias da sogra, inclusive as vivências mais recentes no Sri Lanka. A casa de Therezamaria, por si só, já constitui uma peça literária e artística admirável.
Tudo começou com a história de Dolores Pierson. Ela integra a genealogia de Dorothea Viehmann (1755-1816), camponesa e contadora de histórias alemã, cujos contos serviram de fonte importante para os contos de fadas coletados pelos Irmãos Grimm. A maioria dos contos de Viehmann foi publicada no segundo volume dos Contos de Fadas dos Grimm. Dorothea nasceu como Katharina Dorothea Pierson em Rengershausen, perto de Kassel, filha de um taverneiro. Seus ancestrais paternos eram huguenotes perseguidos que fugiram da França para Hesse-Kassel após a revogação do Édito de Nantes. À medida que crescia, Viehmann aprendeu inúmeras histórias, lendas e contos com os frequentadores da taverna de seu pai. Hoje, existe na Alemanha um monumento em sua memória: um caminho que leva à antiga pousada/taverna onde Dorothea recebia viajantes e ouvia suas histórias, posteriormente compiladas e publicadas possivelmente com complementos pelos Irmãos Grimm.
Therezamaria contou, de forma dramática e bela, a Fábula da Águia e da Galinha:
> “Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro, a fim de mantê-lo em cativeiro. Conseguiu capturar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro, junto às galinhas, onde cresceu como uma delas.
Depois de cinco anos, esse homem recebeu a visita de um naturalista, que logo reconheceu a ave:
— Esse pássaro não é uma galinha. É uma águia.
O homem respondeu:
— De fato é uma águia; mas eu a criei como galinha. Ela já não é águia; é uma galinha como as outras.
— Não — retrucou o naturalista — ela é e será sempre uma águia.
— Não — insistiu o camponês — ela virou galinha e jamais voará como águia.
Então decidiram fazer uma prova. O naturalista pegou a águia, ergueu-a bem alto e desafiou-a:
— Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!
A águia ficou apoiada no braço estendido do naturalista, observando distraidamente ao redor. Viu as galinhas abaixo ciscando grãos, e pulou para junto delas.
No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Levaram a águia até o alto de uma montanha, ao amanhecer, quando o sol dourava os picos.
O naturalista ergueu novamente a águia e ordenou:
— Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra suas asas e voe!
A águia olhou ao redor, tremia como se experimentasse nova vida… mas não voou de imediato. Então o naturalista segurou-a firmemente, apontando-a na direção do sol, para que seus olhos se enchessem de claridade e pudessem alcançar as dimensões do vasto horizonte.
Foi então que ela abriu suas potentes asas. Ergueu-se, soberana sobre si mesma, e começou a voar — a voar para o alto, cada vez mais alto.
Voou. E nunca mais retornou.”
Que Therezamaria jamais se canse de Guerra — é o que lhe pedimos!
* Maria José Rocha Lima é professora, mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia, doutora em psicanálise, e foi deputada de 1991 a 1999.