Projeto da UnB investigou os impactos do fechamento do Lixão da Estrutural, a inclusão de trabalhadores em cooperativas e os desafios da reciclagem

O encerramento do Lixão da Estrutural, em 2018, marcou uma das maiores mudanças socioambientais do Distrito Federal. Mais de três mil catadores que atuavam diariamente no espaço precisaram se adaptar ao novo modelo de gestão de resíduos sólidos, previsto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) — instituída pela Lei nº 12.305/2010, que determinou o fechamento dos lixões em todo o país, a criação de aterros sanitários e a inclusão de catadores em programas de coleta seletiva. A medida buscava promover sustentabilidade e justiça ambiental, mas também trouxe desafios de ordem social, econômica e laboral para esses trabalhadores.
Foi nesse contexto que a professora Sayonara de Amorim Gonçalves Leal, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), coordenou o projeto “Experiências de catadores de materiais recicláveis confrontados a dispositivos de gestão de resíduos sólidos no DF: engajamentos ao cooperativismo e capacidade de inovação social”, apoiado pela FAPDF por meio do Edital Demanda Espontânea (2022). A fundação viabilizou a execução e possibilitou a participação de estudantes bolsistas e da Central de Cooperativas de Trabalho de Materiais Recicláveis do Distrito Federal (Centcoop-DF), que garantiu o acesso ao campo e legitimou a investigação junto às cooperativas.
“Os catadores fazem parte da infraestrutura da gestão e tratamento de resíduos. Eles são agentes ambientais, produtores de saberes valiosos, mas ainda vivem em condições de precariedade social e laboral”, destaca Sayonara.
Resultados e relevância
Combinando cerca de 80 entrevistas, grupos focais, dinâmicas participativas e observação de campo em 22 cooperativas do DF, a pesquisa produziu um corpo de evidências qualitativas robustas que sustentam análises aprofundadas sobre a organização coletiva dos catadores e as adversidades da cadeia de reciclagem.
“As cooperativas sobrevivem a partir do material que conseguem vender. Mas, sem coleta seletiva eficiente, esse material chega em menor quantidade e muitas vezes inadequado para a comercialização”
Sayonara Leal, pesquisadora
A pesquisa mostrou que, mesmo quando há separação domiciliar, grande parte dos resíduos chega às unidades de triagem em quantidade insuficiente ou em condições inadequadas para comercialização. “As cooperativas sobrevivem a partir do material que conseguem vender. Mas, sem coleta seletiva eficiente, esse material chega em menor quantidade e muitas vezes inadequado para a comercialização”, alerta Sayonara.
Esta é a primeira vez que se dá voz diretamente aos catadores, documentando como vivem, como se organizam coletivamente e quais os principais desafios enfrentados. O estudo também dialoga com a economia circular da reciclagem — modelo que busca reduzir o desperdício e prolongar o uso dos recursos, reinserindo materiais no ciclo produtivo por meio do reuso e da reciclagem.
“Mostramos elementos do trabalho dos catadores que são inaceitáveis. Se queremos uma inclusão socioprodutiva real, é preciso melhorar a coleta seletiva, a renda e as condições de trabalho. Isso concerne diretamente ao poder público”, enfatiza.
Parcerias, extensão e próximos passos
Além do trabalho de campo, a equipe se envolveu em iniciativas de extensão, oferecendo às cooperativas ferramentas para enfrentar os problemas identificados — muitos deles relacionados a questões de gestão, organização interna e sustentabilidade econômica. Essas ações também buscaram fortalecer o engajamento ao modelo cooperativo, incentivando a participação ativa dos catadores na tomada de decisões e na construção coletiva das soluções. Para Sayonara, essa articulação foi um dos grandes ganhos do projeto: “À medida que coletávamos os dados, também oferecíamos instrumentos e soluções práticas. Essa junção mostrou-se justa, porque devolvemos contribuições àqueles que participaram da investigação”, afirma.
O vínculo com a temática abriu ainda portas para a cooperação internacional: a coordenadora foi convidada a integrar um projeto na Bélgica voltado a catadores avulsos em situação de rua no DF.
Entre os próximos passos estão a organização de um livro, a publicação de artigos científicos, a continuidade de ações de extensão e a realização do VI Seminário Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), de 24 a 26 de setembro, no Instituto de Ciências Sociais da UnB, que debaterá os resultados da pesquisa.
*Com informações da FAPDF