Ex-presidente e filho são indiciados, e Malafaia teve celular e passaporte apreendidos. PF viu tentativa de fuga do ex-presidente.

A Polícia Federal indiciou nesta quarta-feira (20) o ex-presidente Jair Bolsonaro e um dos filhos dele, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por tentarem interferir no julgamento da trama golpista. Outro alvo da PF foi o pastor Silas Malafaia. Ele não foi indiciado, mas teve o celular e o passaporte apreendidos.
A investigação reúne indícios, como mensagens e áudios, que revelam, segundo os policiais, uma tentativa de coagir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – e, mais recentemente, parlamentares – para livrar o ex-presidente da ação penal da qual é réu.
As conversas estavam nos celulares de Bolsonaro, haviam sido apagadas, mas os peritos conseguiram recuperá-las. O conteúdo, segundo a PF, confirma que Bolsonaro desrespeitava medidas cautelares impostas pelo Supremo de forma intencional.
Entre as mensagens, foi encontrado um pedido de asilo político na Argentina. A defesa de Jair Bolsonaro afirmou ao blog de Andréia Sadi que o texto foi uma “sugestão” recebida pelo ex-presidente em fevereiro de 2024, mas descartada.
Pedido de asilo político na Argentina
Foram encontradas mensagens de Bolsonaro planejando um pedido de asilo político na Argentina. Em um rascunho que seria dirigido ao presidente argentino, Javier Milei, ele escreve:
“De início, devo dizer que sou, em meu país de origem, perseguido por motivos e por delitos essencialmente políticos. No âmbito de tal perseguição, recentemente, fui alvo de diversas medidas cautelares”, começa o rascunho.
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Página de documento em que Bolsonaro pede asilo na Argentina achado no telefone do ex-presidente — Foto: Reprodução
Anistia apenas para Bolsonaro
Eduardo enviou mensagens ao pai mostrando, segundo a PF, que a real intenção do deputado não seria uma anistia para os condenados do 8 janeiro, mas a impunidade do ex-presidente na ação penal no STF por tentativa de golpe de estado.
O deputado federal, que está nos EUA, fala em “anistia light”.
“Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos Estados Unidos terá sido o post do Trump. Eles não irão mais ajudar (…) temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia ou enviar o pessoal que esteve num protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto. (…) neste cenário você não teria mais amparo dos EUA, o que conseguimos a duras penas aqui, bem como estaria igualmente condenado final de agosto”.
Articulação de Eduardo nos EUA
Em 10 de julho, Eduardo enviou outra mensagem ao pai, falando da importância de publicar em uma rede social um agradecimento ao presidente Trump pelas medidas aplicadas contra o Brasil. Ele se referia ao tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros, anunciado no dia anterior.
“Opinião pública vai entender e você tem tempo para reverter se for o caso. Você não vai ter tempo de reverter se o cara daqui virar as costas para você [segundo a PF, uma referência a Trump]. Aqui é tudo muito melindroso, qualquer coisinha afeta. Na situação de hoje, você nem precisa se preocupar com cadeia, você não será preso. Mas tenho receio que por aqui as coisas mudem.”
Ainda segundo a PF, no dia 15 de julho, Eduardo disse ao pai que a “Magnitsky no Moraes estava muito muito próxima”. 15 dias depois, os Estados Unidos aplicaram a Lei Magnistky impondo restrições financeiras ao ministro.
Descumprimento das medidas cautelares
Bolsonaro substituiu seu aparelho celular apreendido em 18 de julho, quando Moraes determinou medidas cautelares contra ele, e ativou um novo no dia 25.
A restauração dos dados apagados deste novo aparelho, apreendido no início de agosto, revelou intensa atividade de produção e propagação de mensagens para as redes sociais, o que era proibido pela medida cautelar.
Também segundo a PF, Malafaia atuou e instigou Bolsonaro a descumprir as medidas impostas pelo Supremo, em especial a usar redes sociais.
Silas Malafaia, alvo da PF
O pastor Silas Malafaia enviou mensagens a Bolsonaro pedindo o disparo de vídeos com chamadas para que o conteúdo fosse compartilhado. Ele também solicitou que Bolsonaro mobilizasse deputados para postar vídeos em apoio a manifestações pró-anistia do ex-presidente.
A análise dos celulares de Bolsonaro também revelou que Malafaia atuava em linha com Bolsonaro e o filho dele. Com base no relatório, o ministro Alexandre de Moraes autorizou uma operação de busca e apreensão contra Malafaia.
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Silas Malafaia fala com jornalistas após prestar depoimento à PF — Foto: Reprodução/TV Globo
Moraes sobre Malafaia:
“A continuidade das investigações demonstrou fortes indícios de participação de Silas Malafaia na empreitada criminosa, de maneira dolosa e com unidade de desígnios com Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro”.
O ministro aponta o papel de liderança de Malafaia:
“Há fortes evidências, ainda, que Silas Malafaia atua na construção de uma campanha criminosa orquestrada, destinada à criação, produção e divulgação de ataques a ministros do Supremo, no contexto de milícias digitais, em conduta absolutamente assemelhada àquelas investigadas no inquérito 4.874, conforme mensagem anteriormente descrita.”
Em resposta, Malafaia atacou Moraes: ‘Vai ter que me prender para me calar’.
Xingamentos e troca de acusações
Mensagens citadas no relatório mostram que Eduardo xingou o pai após entrevista do ex-presidente sobre o conflito do filho com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Em um dos diálogos, Eduardo escreveu ao ex-presidente: “Eu ia deixar de lado a história do Tarcísio, mas graças aos elogios que você fez a mim no Poder 360 estou pensando seriamente em dar mais uma porrada nele, para ver se você aprende”.
O deputado continuou:
“VTNC SEU INGRATO DO CARALHO!’
E citou termos usados pelo ex-presidente na entrevista:
“Se o IMATURO do seu filho de 40 anos não puder encontrar com os caras aqui, PORQUE VC ME JOGA PRA BAIXO, quem vai se fuder é vc E VAI DECRETAR O RESTO DA MINHA VIDA NESTA PORRA AQUI!”
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Mensagem entre Eduardo e Jair Bolsonaro, segundo relatório da PF. — Foto: Reprodução
Em outra troca de mensagens, desta vez entre Bolsonaro e Malafaia, o pastor chama o deputado de “babaca”, “inexperiente” e “idiota”.
Na mensagem, enviada às 18h55 do dia 11 de julho, Malafaia afirma:
“DESCULPA PRESIDENTE ! Esse seu filho Eduardo é um babaca , inexperiente que está dando a Lula e a esquerda o discurso nacionalista , e ao mesmo tempo te ferrando . Um estúpido de marca maior . ESTOU INDIGNADO ! Só não faço um vídeo e arrebento com ele porque por consideração a você . Nao sei se vou ter paciência te ficar calado se esse idiota falar mas alguma asneira.”
Na gravação, o pastor elogia o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) por sua articulação em defesa da anistia e, em seguida, diz que deu “um esporro” em Eduardo por “falar merda”.
Em resposta ao indiciamento, Eduardo critica PF e diz que investigação mostra ‘conversas normais entre pai, filho e seus aliados’.
Contato proibido com Braga Netto
O ex-ministro Walter Souza Braga Netto descumpriu proibição judicial e falou com o ex-presidente. A PF identificou uma mensagem recebida via SMS por Bolsonaro vindo de um número com DDD de Brasília, às 00h31 de 9 de fevereiro de 2024.
“Estou com este número pré-pago para qualquer emergência. Não tem zap. Somente face time. Abs Braga Netto”, dizia a mensagem.
Lista de transmissão no ‘Zap’
Foram identificadas quatro listas de transmissão no aplicativo de WhatsApp instalado no aparelho celular apreendido de Jair Bolsonaro, segundo o relatório da PF. As listas foram nomeadas da seguinte maneira: “Deputados”, “Senadores”, “Outros” e “Outros 2”.
Contas bancárias das esposas
Há indícios de que Eduardo usou a conta bancária de sua esposa, Heloísa, para esconder recursos recebidos pelo seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e evitar possíveis bloqueios de valores. Processo semelhante teria sido empregado por Bolsonaro com sua esposa, Michelle Bolsonaro.
Contato com representante da plataforma Rumble
A PF identificou que Bolsonaro manteve contato direto com o advogado norte-americano Martin de Luca, representante da plataforma Rumble e da Trump Media & Technology Group (TMTG), ligada a Donald Trump.
No celular do ex-presidente havia o registro de um número de Nova York associado a De Luca, conhecido por atuar em casos de litígios internacionais e sanções econômicas.
De acordo com a investigação, De Luca enviou documentos a Bolsonaro relacionados às ações da Rumble contra Moraes.
A PF também identificou que o ex-presidente pediu orientações a De Luca sobre a elaboração de uma nota pública em suas redes sociais, em que deveria agradecer a Donald Trump e associar sua situação a uma “perseguição política”.
As mensagens trocadas mostram, segundo a PF, que havia coordenação entre Bolsonaro e o advogado para ajustar narrativas contra o STF.
Fonte: g1