
Miguel Lucena
O pandeiro apanha. O surdo apanha. Apanham sorrindo, no compasso do samba, para animar o povo que dança e canta como se a vida fosse apenas esse batuque feliz. Mas ali, no couro que estala e no aro que vibra, mora a metáfora do povo brasileiro: bate-se nele para fazer a festa dos outros.
Na letra de Pandeiro é meu nome, Chico da Silva nos dá uma pista dolorosa. O pandeiro não come, mas pode apanhar. O povo também. Não come direito, mas aguenta. Leva pancada de todo lado: da fome, da injustiça, do descaso. Apanha e sorri, como o pandeiro na roda de samba, porque aprendeu a sobreviver fazendo da dor um instrumento de ritmo.
O sofrimento, esse sim, parece eterno. Cada um no seu batuque, sustentando uma alegria que não lhes pertence. O surdo e o pandeiro se calam depois do show, como o povo que volta pra casa depois do desfile, da eleição, da promessa. Ficam só os calos e os buracos na alma — e ninguém ouve a dor do instrumental.
Enquanto isso, batuqueiro ê… cantando samba, pode bater no pandeiro. E no povo também. Porque a festa precisa continuar.