
Miguel Lucena
Tem uma expressão que virou mania nacional — pelo menos entre certos narradores de televisão: “diga-se de passagem”. É mais forte que ele. Está no sangue, na língua, nas cordas vocais. O jogo mal começa e lá vem:
— “Fulano, diga-se de passagem, é um exímio batedor de faltas.”
Dez minutos depois:
— “O time, diga-se de passagem, vem de três derrotas.”
E quando a bola vai pra fora, não escapa:
— “Esse chute, diga-se de passagem, foi horrível.”
O curioso é que ninguém pediu pra se dizer de passagem, nem de chegada, nem de permanência. Ninguém perguntou nada. Mas ele diz. Diz, e de passagem, porque parece que a informação não tem coragem de parar, sentar, tomar um café e ficar.
Talvez “diga-se de passagem” seja uma espécie de senha. Um atestado verbal que serve pra dizer: “olha, isso que vou falar é irrelevante, mas preciso encher esse silêncio desconfortável”.
Imagina na vida real:
— “Minha sogra, diga-se de passagem, ainda respira.”
— “O feijão, diga-se de passagem, queimou.”
Pior é pensar que o narrador já não controla mais. Vai no piloto automático. Se um dia acontecer um apocalipse zumbi, ele, no meio do caos, descreverá a cena:
— “Os zumbis, diga-se de passagem, estão bastante agressivos.”
E assim seguimos, diga-se de passagem, enquanto o jogo continua, os gols não saem, mas as muletas verbais marcam presença.