
Miguel Lucena
No tempo em que São João era São João, quem fazia a festa era sanfoneiro da terra, zabumbeiro da esquina e trianguleiro da família. Era forró de verdade, cheiro de milho assado, suor no salão e poeira no terreiro.
Mas aí apareceu uma gente sabida — dessas que andam com a chave do cofre no bolso — e descobriu que São João também dá lucro, não só alegria. Foi quando começaram a importar artistas que nunca viram um pé de milho na vida, mas chegam de jatinho, com cara de quem está vindo salvar a cultura.
E aí, meu amigo, vem o segredo dos cachês. Funciona assim: o artista cobra duzentos mil no papel, mas na prática leva cem. A outra metade evapora como foguete no céu de junho — só que sem deixar rastro nem brilho. Quando se contrata forrozeiro da terra, é arriscado demais: o povo fica sabendo, a fofoca corre, a comunidade pergunta. Mas com gente de fora, trazida por empresa intermediária, tudo fica no mais absoluto sigilo… ou quase.
Resultado: a festa perde o cheiro de roça, o som do baião e o sabor do autêntico. Vira um show de axé, sertanejo, funk ou qualquer outro ritmo que jamais pisou num terreiro de São João. No palco, muito LED, muito efeito, mas pouco coração.
E assim, entre fogos, contratos e notas fiscais bem maquiadas, segue o São João de hoje: com milho caro, sanfona calada e os bolsos de alguns… bem cheios.