
Miguel Lucena
Meu amigo paraibano enricou. Foi vender rede no Sudeste e acabou virando dono da fábrica. Voltou exibido, com relógio que brilha mais que farol de carreta e um papo de sommelier de novela. Agora só bebe Pera Manca, vinho português de 12 mil reais a garrafa. Mas o refinamento termina aí.
Encontrei-o em Brasília e presenciei a cena: ele servindo o vinho numa taça de acrílico, com cuscuz fumegante e ensopado de bode no prato. “A harmonização é tudo”, disse ele, sério como quem mistura Tchaikovsky com flauta doce.
— O Pera Manca realça a maciez da costela —, comentou, enquanto tirava o sebo da boca com a mão.
— E o cuscuz? — perguntei.
— Equilibra a acidez, meu chapa. É gourmetização raiz.
Tentei lembrar o que dizia um francês sobre vinho e queijo, mas engoli seco. Na Paraíba, o luxo é outro: o bode é do cercado, o cuscuz é de milho quebrado, e o vinho… bem, o vinho é que está no lugar errado da história.