
Miguel Lucena
Vamberto estava inconsolável. Suava em bicas, o rosto vermelho como um tambor de freio depois de uma descida de serra. Andava de um lado para o outro, bufando, praguejando contra a desordem mundial que, segundo ele, começava justamente naquelas malditas cédulas distribuídas pelo governo. O Bolsa Família, “esse atentado à moralidade econômica, havia criado uma raça de gente preguiçosa, incapaz de valorizar um bom patrão” como ele.
— Eu pago um salário mínimo e meio! E ainda dou um bônus sobre o lucro das vendas do seringal! — esbravejava Vamberto, os olhos saltando das órbitas como se quisessem pedir socorro.
Os trabalhadores, ingratos que eram, agora ousavam questionar a realidade natural das coisas. Antes, aceitavam de bom grado os trocados que ele lhes lançava com a generosidade de um rei distribuindo migalhas ao povo. Mas, desde que passaram a receber aquela “fortuna” do governo, começaram a escolher onde e quando trabalhar. Um absurdo!
— Outro dia, um deles me disse que estava pensando em abrir um negócio próprio! — contou ele, horrorizado, como se narrasse um crime hediondo. — Empreendedorismo agora virou desculpa para não querer tirar leite de pau e capinar!
Os tempos estavam mesmo mudados. Antigamente, um bom trabalhador não exigia aumento. Contentava-se com a promessa de um futuro melhor, que nunca chegava, mas que enchia o coração de esperanças. Agora, com esse incentivo maligno, estavam ficando atrevidos, barganhando, negociando, como se fossem gente!
Vamberto suspirou, derrotado. Tinha saudades do tempo em que um trabalhador sabia seu lugar: no silêncio respeitoso da necessidade. Agora, com essa mania de querer viver melhor, só lhe restava um destino cruel: pagar um salário decente.