quinta-feira, 13/02/25
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Golpes de estelionatários somaram 44,5 mil casos em 2024

Polícia aponta 134 registros diários de ocorrências, no ano passado, no DF. Vítimas relatam perdas. Especialistas, orientam como se prevenir

BRA-Golpes digitais – (crédito: Valdo Virgo)

 

Crimes de estelionato — que envolvem golpes de diversos tipos (“vaquinhas” para ajudar doentes inexistes; falsificações de documentos; pedidos de depósito enviados pelo WhatsApp por números clonados etc.) — preocupam o DF. De 1º de janeiro a 27 de novembro de 2024, foi registrada uma média de 134 ocorrências diárias para essas ações delitivas, de acordo com a Polícia Civil. Do total de casos (44.542) nesse período, 28.377 envolvem ações cometidas presencialmente pelos investigados contra suas vítimas. Outros 16.165 se valeram de redes sociais e sites fraudulentos. O Correio conversou com pessoas que caíram nessas armadilhas e com especialistas que orientaram como se proteger.

Um desses ludibriados é Camila*, 54 anos. Ela conta que, entre maio e abril do ano passado, uma sobrinha que trabalhava com consórcios, ligou perguntando se ela indicaria alguém para oferecer quatro cartas contempladas. “Eu tinha clientes na empresa em que trabalhava, que se mostraram interessados”, recorda, acrescentando que não viu nada suspeito porque os créditos eram bons e com cobranças em parcelas acessíveis, entre outras facilidades.

“Passei para os clientes e expliquei que era da minha sobrinha e não da empresa que trabalhava. Disse ainda que era ela quem iria fazer toda a negociação de transferência e liberação de crédito”, comenta. “Eu me ofereci apenas para ajudar a providenciar a documentação e acelerar o processo, por ter prática no assunto. Foi o que eu fiz, inocentemente, sem saber o que estava acontecendo”, acrescenta. De acordo com Camila, foi esclarecido aos compradores que a sobrinha, e não a tia, era a responsável pela transação.

“O tempo foi passando e, mais de duas semanas depois, nada”, rememora acrescentado que os pagamentos haviam sido feitos. “Desconfiei que tinha algo errado, pois, normalmente, quando se chega a essa fase, documentos relativos ao termo (de venda) teriam sido enviados com antecedência ao cliente”, ressalta a mulher. Ela disse que um dos compradores também a informou de que não havia recebido nada.

Num primeiro momento, segundo Camila, a moça explicou que os trâmites de sua companhia eram diferentes. “Disse a ela que, caso algo desse errado, a culpa seria dela”, lembra, acrescentando que, alguns dias depois, a jovem a informou que as cartas haviam sido comercializadas, mas para outras pessoas. Para piorar, os indicados pela tia não tiveram de volta o que pagaram e a moça parou de atender seus contatos.

“Entrei em desespero. Chorava noite e dia, sabia que daria problema para mim. Estava prestes a me aposentar, por tempo de serviço, e acabei sendo demitida por justa causa”, desabafa Camila, que até hoje não consegue arrumar emprego. “Além disso, estou enfrentando processos dos clientes que foram prejudicados. Querem que eu assuma a responsabilidade por ter indicado a minha sobrinha. Só que sou tão vítima quanto eles. Não tenho qualquer dinheiro deles”, diz.

Dados disponíveis

Erick Sallum, delegado da 9ª DP (Lago Norte), comenta que alguns tipos de golpes são mais comuns (confira no quadro) e que a maioria das vítimas preferidas são idosos, por não terem familiaridade com o mundo digital.

Sallum conta que os estelionatários entram em contato com as vítimas após terem vários dados delas. “O mais impressionante de tudo é que essas informações (de quem é enganado) estão na internet. Chegamos a prender criminosos que compraram acesso a painéis de pesquisa, em que é possível encontrar dados de pessoas de todo o Brasil”, alerta.

Outro ponto destacado pelo delegado é o uso da inteligência artificial pelos criminosos. “Estão muito acessíveis, atualmente, ferramentas que produzem vozes e vídeos com caras de seres humanos (inexistentes). Tivemos casos de pedido de PIX por WhatsApp em que o criminoso simulou a fala e o rosto da pessoa pela qual ele estava se passando”, relata. “Se, somente com uma ligação, os golpes estão acontecendo, imagina com o criminoso conseguindo simular voz e vídeo?”, adverte o policial.

Mas, segundo ele, policiais estão enfrentando o problema com capacitação: “A corporação tem criado unidades especializadas, principalmente contra crimes cibernéticos”. Ele assegura que todas as delegacias do DF estão se capacitando para fazer investigações na internet.

Sono perdido

Almeida*, 61, foi outro atacado por golpistas. Ele conta que era cliente de uma instituição financeira que, como garante, fazia deduções irregulares em sua conta. Buscou formas para resolver a situação, que durou quase dois anos, quando foi contatado por uma pessoa que prometeu ajudá-lo e, ainda, receber de volta o que havia sido descontado. Sem saber que o contato era de um golpista, recebeu dele um link que acessou permitindo ao criminoso fazer um empréstimo em seu nome.

O valor do crédito era de R$ 28 mil, dinheiro que pensou ser a devolução prometida pelo golpista, a quem ainda repassou parte desse montante e que está pagando até hoje. Segundo ele, a situação está afetando sua vida. “Estou pagando por um empréstimo que não fiz. Com os juros, o valor chega a R$ 56 mil, o que me deixa completamente apertado”, ressalta. “Estou recebendo para pagar contas, só isso. São noites de sono perdidas. Fico muito agitado e nervoso”, desabafa.

A quem cair em fraudes, a advogada criminalista Fernanda Vidal orienta que a primeira providência seja o registro imediato de um boletim de ocorrência. “Caso haja indícios de comprometimento de contas bancárias ou utilização indevida de meios de pagamento, recomenda-se a adoção de medidas preventivas, como o bloqueio de cartões e a comunicação imediata à instituição financeira, para mitigação de danos”, orienta.

Além disso, de acordo com Fernanda, na hipótese de risco com prejuízo econômico, é imprescindível buscar um advogado. “É ele quem vai saber quais as medidas devem ser adotadas para a responsabilização dos infratores e a reparação dos danos sofridos, seja na esfera cível ou criminal”, explica.

Providências

O professor de psicologia Carlos Lopes Rodrigues afirma que ficar desesperado ou perder a esperança podem fazer com que a vítima enxergue poucas alternativas para sair da situação. Como forma de evitar isso, é essencial o suporte psicológico e social, que afastam desfechos piores (leia mais em Artigo).

Por outro lado, o professor e advogado especialista em direito digital Lucas Karam ressalta que, na era da inteligência artificial, as autoridades e as instituições financeiras podem usar ferramentas tecnológicas para prever e detectar comportamentos suspeitos em tempo real. “Essas tecnologias permitem bloquear ou investigar rapidamente a operação, impedindo que o dinheiro seja desviado, mesmo se o golpista já tiver enganado a vítima”, destaca.

O especialista ressalta que, para se proteger de golpes, é fundamental entender como funcionam. “Normalmente, os golpistas oferecem vantagens muito grandes ou exigem uma ação rápida, justamente para impedir que a vítima reflita”, explica (confira o quadro com dicas).

O delegado Erick Sallum acrescenta que se deve desconfiar de ofertas generosas ou ligações de parentes feitas por números desconhecidos. E que qualquer empréstimos a amigo ou familiar seja realizado presencialmente.

*Nomes fictícios para preservar a identidade dos entrevistados

Artigo: Sensação de impotência

O impacto psicológico dos golpes para as vítimas pode ser devastador, atingindo tanto a esfera emocional quanto a cognitiva e comportamental. Um dos sentimentos mais comuns relatados por quem caiu em fraudes é a vergonha. Muitas pessoas sentem-se humilhadas por terem sido enganadas, questionando sua própria inteligência e capacidade de discernimento. Esse sentimento pode levar ao isolamento social, pois a vítima teme ser julgada e, por isso, evita compartilhar sua experiência com familiares e amigos.

O estresse e a ansiedade também são frequentes. As vítimas podem reviver o golpe em suas mentes, tentando entender o que poderiam ter feito para evitá-lo. Isso pode levar a insônia, dificuldades de concentração e até mesmo dores de cabeça e problemas gastrointestinais.

Nos casos mais graves, especialmente os que envolvem grandes perdas financeiras ou questões afetivas (golpes feitos por pessoas próximas ou estelionato amoroso), o impacto pode ser ainda maior. A sensação de impotência e a perda da segurança financeira podem resultar em um quadro no qual a pessoa sente que não tem mais controle sobre sua vida. Isso pode evoluir para transtornos psiquiátricos, como depressão e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

O TEPT pode se manifestar com flashbacks, hipervigilância, fuga de situações que lembrem o ocorrido e um estado constante de alerta, prejudicando o cotidiano da vítima. Em casos extremos, especialmente quando há perdas financeiras significativas, isolamento social e histórico prévio de sofrimento psíquico, o risco de suicídio aumenta consideravelmente.

Carlos Manoel Lopes Rodrigues, professor de psicologia do Centro Universitário de Brasília (Ceub)

 

Golpes mais comuns

Pedido de PIX – O criminoso entra em contato, fingindo ser algum tipo de parente, e diz que está precisando de algum dinheiro, geralmente para pagar uma conta, e pede a transferência;

Falso sequestro – A vítima recebe ligações de um suposto sequestrador e é informada de que um familiar seu está sequestrado. O golpista chega a colocar alguém no telefone para dizer que está com medo e pedir que seja pago o resgate para ser liberto;

Central do banco – Uma ligação é feita à vítima para informá-la que sua conta está sendo vítima de criminosos. Nesse momento, passando-se pela central do banco, os golpistas orientam a pessoa a repassar a eles suas senhas bancárias;

Falsos investimentos – São criadas páginas de supostas operações de trade na bolsa de valores. Por elas, as vítimas são convencidas a investir altos valores e, no final, não conseguem sacar nada. Os prejuízos podem chegar a R$ 1 milhão por pessoa;

Falso motoboy – Também se passando pela central do banco, os criminosos ligam para a pessoa dizendo que o cartão bancário dela está com algum problema. Informam que um motoboy o recolherá e que o cliente dever informar suas senhas, que serão inutiizadas.

Fonte: Erick Sallum, delegado da 9ª DP (Lago Norte)

Como se proteger?

» Desconfie de mensagens ou e-mails de remetentes desconhecidos ou que prometem benefícios “milagrosos”;

» Use apenas canais oficiais para qualquer tipo de contato, seja com bancos, lojas on-line ou prestadores de serviço. Sempre procure o site ou aplicativo oficial para verificar a autenticidade de promoções ou cobranças;

Verifique com cuidado para quem você está transferindo dinheiro. Antes de fazer qualquer pagamento, confirme se a conta bancária pertence realmente à pessoa ou empresa correta;

» Mantenha seus dispositivos seguros, atualizando regularmente o sistema operacional e antivírus. Isso ajuda a fechar possíveis brechas de segurança;

» Nunca divulgue informações pessoais ou financeiras em formulários ou links suspeitos. Se alguém pedir dados, como senhas ou códigos de verificação por mensagem, desconfie imediatamente;

» Converse com amigos e familiares sobre os golpes mais comuns. A informação compartilhada ajuda todos a ficarem mais atentos.

 

CB/Fonte: Lucas Karam, professor e advogado especialista em direito digital

 

 

 

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