Ilustração/IA
Miguel Lucena
Era uma manhã como outra qualquer no posto de saúde da Asa Sul. Uma fila de pacientes esperava a sua vez com a paciência que só o Sistema Único de Saúde consegue cultivar. No balcão, o burburinho parecia uma rádio interna:
– Damiana conseguiu o abono de permanência. Já pode se aposentar! – dizia uma das atendentes, enquanto carimbava papéis.
– Pois é! E Letícia vendeu R$ 1.500 de Avon só em dezembro! – respondeu a colega, ajeitando o jaleco como quem acabara de fechar uma venda ela mesma.
Os pacientes trocavam olhares de resignação. O tempo parecia elástico ali, esticando-se enquanto a conversa fluía. Quando finalmente chegou a vez de uma mãe com sua filha pequena, o cenário não mudou muito. A criança, de olhos arregalados, encarava a agulha na mão da enfermeira, que, por sua vez, tinha mais atenção à conversa do que ao braço da paciente.
– Naninha vai casar! – anunciou a vacinadora, sorrindo para a colega na outra sala, enquanto a seringa se aproximava do braço da menina.
A mãe arregalou os olhos.
– Nem sei como ela acerta o braço – murmurou baixinho, mas o suficiente para que a sala inteira ouvisse.
A enfermeira riu e disse:
– Minha filha, aqui é prática, pura prática!
Quatro vacinas depois, e ainda com metade da fofoca por terminar, a mãe saiu balançando a cabeça. “No mínimo, vão discutir a decoração do casamento da Naninha no próximo plantão”, pensou. No posto de saúde, parece que a conversa também é universal: atende a todos, sem distinção.