Para quem achava que eleição de Trump, nos Estados Unidos, e situação de Putin poderiam ofuscar a cúpula, o presidente argentino que o fez
RobertoCastro/Mtur
Na corrida contra o relógio, negociadores das 19 maiores economias do mundo, mais União Europeia e União Africana, buscam um denominador comum para fechar um acordo que seja palatável a todos os líderes presentes na cúpula do G20 no Rio, na semana que vem. A tumultuada geopolítica global continua sendo uma sombra constante sobre o grupo, desde o início do ano.
Mas este não é o único tema difícil. Na reta final, a mudança do clima ainda é motivo de desacordos, assim como a chamada “linguagem de gênero”. É contra ela que se bate a Argentina de Javier Milei, personagem que é visto com apreensão por integrantes do G20 e pode causar constrangimento.
Para quem achava que a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, e situação de Vladimir Putin poderiam ofuscar a cúpula, o perigo vem de bem mais perto, da Argentina. “A gente até imaginava isso. Mas achávamos que tínhamos problemas maiores”, admite um negociador.
A vitória de Trump causa desconforto no grupo dos países mais ricos do mundo. Ele é sabidamente avesso ao multilateralismo. Ou seja, se os Estados Unidos estão a bordo agora, mas isso não significa que continuarão a partir da posse do republicano. Mas isso é problema para a África do Sul, país que receberá do Brasil a presidência do G20 ao final da cúpula. O presidente russo Vladimir Putin não virá à cúpula, porque há um mandado de prisão contra ele, mas a Argentina tornou-se uma incógnita.
Os argentinos tiveram participação tímida e enviaram representantes de nível hierárquico abaixo do que se via nas reuniões, para demonstrar a desimportância que davam às negociações. Mas não chegavam a atrapalhar as discussões. A partir de julho, depois de tirar a briga geopolítica das negociações temáticas, o G20 voltou a publicar declarações ministeriais aprovadas por todos os seus integrantes, o que não acontecia há dois anos.
Pauta feminista e de cultura rejeitadas pela Argentina de Milei
Isso só foi possível porque o Brasil separou a geopolítica em textos à parte. De lá para cá, todas as reuniões produziram declarações de consenso, exceto a do grupo do empoderamento feminino, rejeitado na íntegra pelos argentinos. A de cultura havia sido poupada, mas, horas depois, contudo, a Argentina publicou nota rejeitando-a também. O país já tinha feito o mesmo em Nova York, quando a ONU publicou o Pacto do Futuro.
Era a pauta de costumes que tanto apelo oferece à extrema direita. Eles não se opuseram às outras agendas, até porque o que é discutido no âmbito do G20 os beneficia. Agora, nas negociações em curso resolveram bater de frente com a “linguagem de gênero” do texto nos seus múltiplos temas, e passaram a rejeitar a Agenda 2030.
A decisão significa no mínimo tumulto. O comunicado tem de ter o aval do de todos os líderes do G20. Os negociadores brasileiros e estrangeiros ainda não sabem se os argentinos querem apenas chamar atenção ou se pretendem de fato bloquear o texto final. A avaliação é que a Casa Rosada tem enviado sinais contraditórios. Para um diplomata, o que se observa é um “comportamento infantil”.
Prioridades do governo brasileiro
Pelo menos duas prioridades do governo brasileiro continuam na terceira versão do rascunho que está sendo discutido nesse momento, e tudo indica que devem constar do comunicado final. A tributação dos bilionários é uma delas, assim como o uso das palavras transparência e responsabilidade para lidar com as plataformas digitais também.
Essas são consideradas vitórias pelo governo brasileiro, além, é claro, da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que será lançada oficialmente na segunda-feira, e já tem a adesão de mais de 100 países e organismos internacionais. Este, aliás, como lembraram negociadores, é um ganho que independente dos EUA ou da Argentina. Ainda que Trump não concorde a aliança, ela já foi criada e tem até secretariado definido para trabalhar até 2030.
Entre os temas mais difíceis o mais evidente é a geopolítica, claro. Mas o clima também consta nessa lista. E esse não é só problema do G20, mas da convenção do clima que está acontecendo em Baku, no Azerbaijão. Os países ricos cobram das nações em desenvolvimento metas e resultados ambiciosos para a redução das emissões, mas não usam a mesma régua para definir seus compromissos com o financiamento, promessa que vem desde o acordo de Paris.
Forte esquema de segurança
Às vésperas da cúpula, é forte o esquema de segurança na cidade, que, só do Exército conta com contingente de 7.500 soldados. Chama a atenção a quantidade de homens e viaturas pela zona sul do Rio de Janeiro, a área onde devem se concentraram as 55 delegações que começam a desembarcar no país.
A zona portuária está em clima de festa com o G20 Social, que acontecerá na região até sábado e que começou com certa confusão. Os eventos serão realizados em espaços como o Museu do Amanhã e a área dos armazéns. Tem até um palco na Praça Mauá, para receber o Aliança Global Festival, que está sendo apelidado de “Janjapalooza”, pois foi organizado pela primeira-dama. A previsão é de participação de quase 30 artistas, entre eles Zeca Pagodinho, Seu Jorge e Daniela Mercury.
Cúpula Social
Na Cúpula Social, os três eixos da presidência brasileira, que englobam combate à fome e às desigualdades, enfrentamento às mudanças climáticas e reforma da governança global, serão discutidos em plenárias. Dali sairão três documentos a serem entregues no sábado, ao fim do evento, ao presidente Lula. O Forte de Copacabana está sendo preparado para reuniões bilaterais de Lula no G20, que, em princípio, serão 10.
A agenda oficial do presidente brasileiro começa no sábado (16) com o encerramento do G20 Social. Depois, ele é esperado no Festival. No domingo, participa do encerramento do Urban20, que é o fórum de prefeitos do G20. Na parte da tarde, terá os primeiros encontros bilaterais, que também estão previstos para a tarde de terça.
Em princípio, todos pediram reunião com Lula, exceto Milei. A lista completa ainda não foi fechada. Mas estão confirmadas as bilaterais com os presidentes Joe Biden, dos Estados Unidos e Emmanuel Macron, da França, e os premiês britânico Keir Starmer, além do japonês Shigueru Ishiba.