Participação feminina no setor está aquém do esperado, alertam especialistas. Apenas 3,2% dos pilotos e dos mecânicos de manutenção aeronáutica são mulheres no Brasil.
Por Iana Caramori, g1 DF
Menina brincando de avião, em imagem de arquivo — Foto: Freepik/Reprodução
“Senhoras e senhoras, aqui quem fala é o comandante desse voo”, diz o piloto no alto-falante do avião enquanto uma aeromoça atende os passageiros. O cenário de um homem na cabine e uma mulher nos corredores da aeronave não é tão difícil de imaginar. Mas quantas vezes já encontramos uma mulher no comando do manche?
Kalina Milani entrou na aviação civil na década de 90. Junto com uma amiga, ela foi uma das primeiras mulheres a ingressar em um curso para se tornar piloto da antiga companhia aérea Varig. O caminho até o cockpit não foi fácil.
“Existia muita resistência, muito preconceito. As pessoas não estavam acostumadas a ver mulheres na profissão. A gente não tinha oportunidades. Foi um processo lento”, lembra a piloto, atualmente com 25 anos de carreira.
No início dos anos 2000, Kalina seguiu sendo pioneira ao se tornar a primeira piloto mulher da empresa Emirates, dos Emirados Árabes Unidos. “Comecei a olhar para outros lugares. Demorei três anos para ingressar [na companhia] porque eles ainda não estavam preparados para receber mulheres”, diz Kalini.
Para ela, na comparação entre a década de 90 e atualmente, o ambiente na aviação civil para mulheres é mais favorável graças ao trabalho daquelas que vieram antes.
“Cada uma se dedicando e mostrando que a gente trabalha de igual pra igual. É isso que a gente quer mostrar: que as mulheres tem as mesmas capacidades. A gente só precisa que sejam removidas as barreiras. Ainda existe uma certa surpresa, até passageiros também não estão tão acostumados, mas muita gente já tá se acostumando a encontrar uma mulher profissional na cabine de comando”, diz a piloto.
Baixa participação
Mulher pilotando avião, em imagem de arquivo — Foto: Freepik/Reprodução
Apesar da evolução, a participação feminina na aviação civil está aquém do esperado, alertam os especialistas. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação (Anac), atualmente:
- apenas 3,2% dos pilotos e dos mecânicos de manutenção aeronáutica são mulheres;
- pouco mais de 10% são engenheiras que atuam na aviação;
- 51% do Controle de Tráfego Aéreo brasileiro são mulheres.
Ao g1, a Azul informou que conta com cerca de 110 mulheres no seu quadro de pilotos. A Gol tem um número de mulheres pilotos inferior a 5%. Já a Latam não informa a quantidade de mulheres que atuam como piloto na companhia, mas a empresa diz que, em 2023, foram contratadas 44% do total de mulheres que estão no cargo (veja íntegra das notas no fim da reportagem).
Papéis estereotipados
A professora Inez Lopes, da Universidade de Brasília (UnB), aponta que a baixa participação delas no setor pode ser justificada pelas desigualdades históricas e estruturais nas quais foram fundadas o setor da aviação.
“Se via a aviação como um setor que não seria para uma mulher, considerada mais frágil. Isso restringiu as oportunidades para as mulheres. Foram normas sociais que as colocaram em papeis domésticos e de cuidadoras”, diz a pesquisadora.
Cristiane Dart, vice-presidente de Comunicação e Marketing da Associação Internacional de Mulheres da Aviação (IAWA) e chefe de comunicação da SITA nas Américas, afirma que, desde cedo, meninas são desencorajadas a seguir na carreira por causa de estereótipos.
“Como que a mulher faz uma jornada de aeroporto porque tá longe da da família porque a mulher tem que cuidar da família, tem que fazer malabarismos para cuidar de tudo. Então, a própria mulher se questiona. Eu mesma escutei que ia demorar para casar. Esse questionamento não faz parte da rotina do homem”, comenta Cristiane Dart.
Abrindo portas
Inez Lopes, junto com outros quatro supervisores acadêmicos, integra uma pesquisa da UnB em parceira com a Anac. O objetivo é estudar a participação da mulher na aviação, como parte da iniciativa Asas para Todos, do governo federal.
O programa da Anac busca incentivar a inclusão e a diversidade no setor. Além de estimular a participação feminina, o Asas para Todos incentiva o ensino profissional aeronáutico. Visite o site para conhecer os projetos e oportunidades de capacitação.
Mariana Altoé, especialista em regulamentação de aviação civil da ANAC, afirma que é importante que a mulher se sinta representada nesses espaços. “Se a mulher não ver outras mulheres naquelas posições, ela não pensa que ela deveria estar lá. Por isso, a importância de encorajar, de incentivar”, explica Mariana Altoé.
Kalina Milani também ressalta a importância do incentivo. A vontade de evoluir na carreira e ver outras mulheres progredindo foram mais fortes que a sensação de não pertencimento. A piloto, junto com colegas de profissão, fundaram um grupo para que elas pudessem se apoiar.
“A gente queria que todo mundo se sinta bem, queria impulsionar a carreira. Muitas mulheres não sabiam que tinham essas profissões no mercado por causa dos problemas de estereótipos que as próprias famílias tinham”, conta a profissional.
Durante as últimas três décadas, o grupoAviadoras cresceu e, em 2018, se tornou a Associação das Mulheres Aviadoras do Brasil (AMAB). Elas auxiliam a carreira de mulheres aviadoras por meio de mentorias e bolsas de estudos para crianças, adolescentes e adultas que se interessam pelo setor. Até agora, 60 bolsas já foram concedidas.
O que dizem as companhias aéreas
- Azul
“A Azul, maior companhia aérea em número de voos e destinos atendidos, conta cerca de 110 mulheres no seu quadro de pilotos. Importante destacar que a empresa apoia a campanha da International Air Transport Association (IATA) para promover a diversidade de gênero no setor e aumentar o número de mulheres trabalhando nas companhias aéreas, além de ter parceria com a Associação das Mulheres Aviadoras do Brasil (AMAB), projeto social que estimula a carreira da mulher na aviação por meio de mentoria, cursos, parcerias e bolsas de estudos. Em ação alusiva ao Outubro Rosa, na última terça-feira (1/10), uma aeronave da Airbus A330, da Azul, partiu de Viracopos (Campinas), principal hub da companhia, para Lisboa (Portugal) com Tripulação 100% feminina, formada por 3 pilotos mulheres e 10 comissárias com uniforme na cor rosa.”
- Gol
“A GOL reconhece a importância da equidade de gênero e é signatária da iniciativa 25by25 da IATA, que visa aumentar a representação feminina em cargos de liderança até 2025. Desde janeiro de 2024, a empresa possui uma mulher na posição de liderança dos pilotos, com a Comandante Gabriela Duarte, Coordenadora de Tripulação Técnica. A GOL também integra, via ABEAR, o programa Asas para Todos da ANAC, que incentiva a formação de mais mulheres em carreiras técnicas na aviação. Hoje, a participação de mulheres pilotos na GOL ainda é inferior a 5%, em linha com as estatísticas mundiais. Contudo, processos seletivos mais recentes têm tido um número crescente de inscrições femininas, demonstrando que a formação básica é fundamental para que mais mulheres ingressem na carreira.”
- Latam
“Em 2021, a LATAM declarou sua Política de Diversidade e Inclusão, com compromissos que trabalham na construção de bases organizacionais e de uma cultura inclusiva que permita o equilíbrio de gênero.
Os compromissos são: garantir a equidade de oportunidades e mais equilíbrio na representatividade de mulheres; ter representatividade de pessoas com deficiência; ampliar a heterogeneidade em áreas profissionais para aumentar o multiculturalismo e criar mais espaços para maior diversidade social, étnica, raça/cor, educacional, etária, de gênero, etc; e desenvolver uma cultura mais global e fortalecida pelas diferenças entre os colaboradores e colaboradoras do grupo LATAM.
Desde então, a LATAM investe em ações para a diversidade de forma estruturada. Essa inclusão é um processo contínuo, que inclui levantamentos internos de representatividade, a conscientização dos colaboradores e líderes para a sensibilização sobre diversidade, mentorias e ajustes em processos seletivos para que fossem mais inclusivos.
Como resultado, especificamente sobre mulheres, estas representaram em 2022 mais de 60% dos cargos executivos contratados pela LATAM no Brasil. Além disso, a cada ano, a LATAM vem contratando mais mulheres no Brasil para os cargos de comandante e copiloto de suas aeronaves. Apenas no último ano, a companhia contratou 44% do total de mulheres nesses cargos em sua equipe. O número representa 12% do total de pilotos, somando ambos os sexos, contratados em 2023 pela empresa.
No curto prazo a LATAM trabalha com vagas afirmativas. No médio e longo prazo, desenvolve uma série de programas internos de mentoria e desenvolvimento de profissionais e parcerias externas com universidades e outras instituições para impulsionar a formação de pilotos mulheres e representantes de outros grupos minorizados neste mercado.
Para garantir que todas as vozes estejam sendo ouvidas, a LATAM Brasil possui uma série de iniciativas implementadas pela área de Recursos Humanos que envolvem processos seletivos direcionados e desenvolvimento de políticas internas de inclusão e cultura para tornar os gestores em verdadeiros aliados na promoção da Diversidade e Inclusão na companhia.”