Era uma vez… Alain Delon, o ator, “o homem mais bonito do mundo”, que, neste domingo partiu para outro palco, aos 88 anos.
Era outra vez… Em 16/02/1979, em Vila Velha, Espírito Santo, nascia um menino, e a mãe queria colocar o nome de “Crístofe”.
Não, não era em glória e louvor àquele que, segundo o credo, teria sido concebido pelo poder do Espírito Santo, nascido da virgem Maria, padecido sob Pôncio Pilatos…
A graça era coisa de cinema, em louvor a um ator de então 27 anos, o novo galã da telona, o nova-iorquino Christopher Reeve.
Ele que, naquele ano, alcançava o ápice da fama no papel principal de Super-Homem, sucesso de bilheteria do cinema mundial.
A graça, porém, contrariou o pai, que dizia: um nome que não pode ser pronunciado pelo pai, não pode ser nome do filho — e tinha sua razão.
O nome virou o pomo da discórdia. Não tinha Adão, nem José, nem João, Pedro, Paulo, Francisco, Manoel, Antônio — não havia este nem aquele que fosse bendito e louvado pelos dois.
Foi aí que apareceu a comadre, madrinha de casamento, a Conceição, chamada como se juíza fosse, autorizada a meter a colher naquela briga de marido e mulher.
— Galã por galã, por que não chamar Alan?
Marido e mulher se olharam, olharam para a comadre e perguntaram a uma só voz:
— Por que Alan, comadre?
— É o nome do homem mais bonito do mundo — assegurou dona Conceição. — Além disso — argumentou — é um nome lindo, fácil de falar: Allan Dellon — dobrando os éles fica ainda mais bonito.
Sim, claro, ela mostrou fotos de revista, disse que era francês, que era isso e aquilo e aquilo outro e, pronto, sob o apito da comadre Conceição, estava resolvida a pequena peleja conjugal.
E foi assim que Allan Dellon Santos Dantas constou na súmula e entrou em campo pela primeira. E assim como outros brasileirinhos humildes, o menino viu o futuro na bola, não a de cristal, certamente, mas a bola de futebol.
Tudo começou em 1993, quando, aos catorze anos, o menino viu pela TV a final do campeonato brasileiro entre Vitória e Palmeiras — e ele torceu pelo rubro-negro baiano.
Primeiro, porque a decisão era um autêntico embate de Davi contra Golias, e ele era Davi desde criancinha. Segundo, porque o Vitória tinha o mesmo nome da capital capixaba e era também o time pelo qual ele nutria alguma simpatia naquele estado.
Na decisão, o rubro-negro baiano não conseguiu superar o milionário Palmeiras. No ano seguinte, o clube — que tinha escolinha em várias cidades brasileiras — realizou uma “peneira” na capital capixaba e quem foi selecionado?
Ele, claro, Allan Dellon, que se mudou de Vitória, no Espírito Santo, para Salvador, onde ingressaria nas divisões de base do Vitória.
Ele já sabia da fama das crias do clube baiano, que até ali havia revelado o atacante Bebeto — destaque da seleção pentacampeã mundial naquele ano — o goleiro Dida e o volante Vampeta, que também jogariam pela seleção.
No Vitória, Dellon atuou entre 1998 e 2004, anotando 76 gols em 239 jogos, sendo o 10º maior artilheiro do clube. Nos sete anos, com ele em campo ou na reserva, o Vitória ganhou sete títulos, sendo quatro vezes o campeonato baiano e três vezes a Copa do Nordeste.
Allan Dellon não foi dos melhores nem dos piores, era aplaudido em um jogo e vaiado no jogo seguinte — e acabou a carreira sem holofotes num time de uma cidade satélite de Brasília, após passar por Vasco, Sport, Ceará, América de Natal e mais uma dezena de clubes de menor expressão.
Quem, contudo, jamais esqueceu o que ele fez pelo Vitória foi meu irmão Arízio, um homem que se diz “devoto da gratidão, pelo pouco ou pelo muito”. Tanto é assim que, nascido o seu segundo filho, batizou-o com o nome Alan Delon.
Resumo da ópera: era uma vez um ator chamado Alain Delon, “o homem mais bonito do mundo”, essa lenda que hoje se despede do mundo dos vivos. Era outra vez, Allan Dellon, em homenagem ao galã de cinema. Era a terceira vez Alan Delon, não por causa do ator, mas em homenagem ao jogador.
*Marcelo Torres é jornalista, baiano, torcedor do Vitória, morador do Distrito Federal e tio de Alan Delon