Lula também afirma não reconhecer vitória do presidente venezuelano, sugerindo que saída para crise poderia ser governo de coalizão entre Maduro e oposição
Por Alice Cravo/O Globo — Brasília
Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo/ 29-05-2023
Mais de duas semanas após as eleições na Venezuela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou nesta quinta-feira não reconhecer a declaração de vitória de Nicolás Maduro nas eleições, proclamada pelo Conselho Nacional Eleitoral no dia seguinte à votação, declarando que o venezuelano “sabe que está devendo” uma explicação ao mundo. O presidente também afirmou que não reconhece a vitória de Edmundo González Urrutia, principal candidato da oposição, indicando que qualquer reconhecimento tem de ser feito com base em resultados críveis.
Para Lula, se Maduro tiver “bom senso”, poderia convocar novas eleições no país — proposta que lhe foi sugerida pelo assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim. Segundo o brasileiro, uma das sugestões é criar um “governo de coalizão” com a oposição venezuelana.
— Ainda não (reconheço que Maduro ganhou a eleição). Ele sabe que está devendo uma explicação para o mundo. Ele sabe disso — afirmou Lula durante entrevista à Rádio T, em Curitiba. — Não posso dizer [também] que a oposição foi vitoriosa porque eu não tenho os dados. Muito pouco posso dizer que Maduro foi vitorioso porque enão tenho os dados. Não posso me comportar de forma apaixonada e precipitada. Eu quero o resultado.
O governante de esquerda foi proclamado reeleito para um terceiro mandato de seis anos, até 2031, com 52% dos votos. A oposição liderada por María Corina Machado, que considera a declaração fraudulenta, criou um portal em que diz ter apresentado mais de 80% de atas eleitorais, coletadas por testemunhas no dia da votação, que provariam a vitória de González com quase 70%. María Corina, que foi impedida de disputar o pleito, ofereceu entregar os documentos para verificação do Brasil, mas o governo rejeita uma apuração paralela, reforçando a necessidade de que o governo venezuelano apresente as atas eleitorais.
Nesta quinta-feira, em audiência pública no Senado, Amorim afirmou que o Brasil não reconhecerá um terceiro mandato de Maduro, a partir de janeiro do ano que vem, se as atas eleitorais não aparecerem. Na semana passada, o Centro Carter, um dos poucos observadores internacionais do processo eleitoral na Venezuela, disse que as atas eleitorais coletadas pela oposição são “consistentes”, afirmando que González venceu de maneira clara e “por uma margem intransponível”.
Pela primeira vez falando em público sobre a proposta de Amorim sobre novas eleições, Lula também pontuou que uma eventual nova votação poderia ocorrer com com observadores internacionais — Amorim havia defendido que a União Europeia suspendesse as sanções em vigor e enviasse observadores se houvesse nova votação. Na terça-feira, porém, o líder da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, propôs uma reforma eleitoral para suspender a observação internacional nos pleitos.
— Maduro tem seis meses do (atual) mandato ainda. Se tiver bom senso, poderia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar novas eleições, estabelecer um critério de participação de todos os candidatos, criar um comitê eleitoral suprapartidário em que participe todo mundo e deixar que entrem olheiros do mundo inteiro — afirmou Lula, acrescentando: — Um governo de coalizão com a oposição pode ser saída.
Desde que ouviu a sugestão de nova eleição, Lula tem considerado o assunto e chegou a tratar sobre o tema na última reunião ministerial, realizada na semana passada. Na ocasião, afirmou que Maduro deveria ter tido, ele próprio, a iniciativa de convocar um novo pleito, segundo pessoas presentes no encontro.
O presidente venezuelano já negou anteriormente a possibilidade de repetir as eleições e pediu à Suprema Corte, acusada de servir ao chavismo, que “certifique” sua vitória, em um processo que acadêmicos e opositores consideram inadequado. A oposição venezuelana também já rejeitou a possibilidade de novo pleito.
Integrantes do primeiro escalão dão como certo que a posição do Brasil no conflito pode impactar negativamente na popularidade de Lula, justo em um momento em que as últimas pesquisas Genial/Quaest e Ipec mostram o primeiro aumento da popularidade do petista em 2024.
Mediação estremecida
Segundo afirmou Amorim nesta semana, a ideia de nova eleição, que funcionaria como uma espécie de segundo turno, ainda é embrionária e não foi discutida com Colômbia e México, países com os quais o governo Lula vinha tentando a abertura de um diálogo entre González e Maduro.
No entando, a tentativa tripartite praticamente foi rompida na quarta-feira, quando o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, afirmou que a solução na Venezuela é um “assunto” desse país e que a posição do México é se manter independente.
— Este é um assunto que corresponde aos venezuelanos e o que desejamos é que haja uma solução pacífica para as controvérsias, o que sempre foi nossa política externa — afirmou o presidente em uma entrevista coletiva.
A declaração ocorreu um dia depois de López Obrador ter descartado, “por enquanto”, uma conversa com Lula e seu homólogo na Colômbia, Gustavo Petro, para abordar a crise. O movimento, indicam integrantes do governo, deve-se à transição mexicana: a presidente eleita Claudia Sheinbaum, que na segunda-feira disse que a Venezuela “não se aplica a nós”, assume o cargo em 1º de outubro.
Nesta semana, Lula fez um novo contato com Gustavo e com López Obrador. Sem dar detalhes das conversas, Lula afirmou que os três tentam encontrar uma saída para o impasse.
Estados Unidos, União Europeia e vários países da América Latina exigem uma contagem mais transparente para resolver a crise pós-eleitoral, que levou a protestos que deixaram 25 mortose mais de 2.400 detidos, incluindo menores.
Cerco à oposição
Nesta quinta-feira, a Assembleia Nacional venezuelana, Parlamento unicameral de maioria chavista, volta a debater a regulamentação das ONGs, uma iniciativa que ativistas temem que restrinja direitos civis. A discussão desse projeto, impulsionado em janeiro de 2023, foi retomada na terça-feira após um pedido de Maduro para acelerar a discussão de um pacote de leis que também inclui a regulamentação das redes sociais e a punição ao fascismo, termo frequentemente usado pelo governo para se referir à oposição.
As ONGs são alvo frequente de ataques por parte do poder: o projeto foi proposto pelo dirigente chavista Diosdado Cabello, após acusar mais de 60 organizações de “desestabilização”.
A lei obriga, por exemplo, que as ONGs se inscrevam em um registro local e apresentem uma “relação de doações recebidas com plena identificação dos doadores, indicando se são nacionais ou estrangeiros”. O descumprimento também implica multas que podem chegar a US$ 10 mil dólares (R$ 54,5 mil). Na região, há normas semelhantes em Cuba, Nicarágua, Guatemala e Bolívia.
Os ativistas e defensores dos direitos humanos, no entanto, alertaram que essa lei limita os direitos civis e temem por uma restrição do espaço cívico.
O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos pediu às autoridades que interrompam a aprovação de “leis que minem o espaço cívico e democrático” e destacou que há um “clima de medo” na Venezuela, sendo “impossível aplicar os princípios democráticos e proteger os direitos humanos”.
(Com AFP)