Reportagem do Fantástico mostrou equipamentos quebrados, rede elétrica sob risco e mau atendimento na rede hospitalar. Exoneração do diretor Alexandre Telles será publicada no ‘Diário Oficial da União’.
Nísia Trindade, ministra da saúde. Reprodução
A ministra da Saúde, Nísia Trinidade, demitiu nesta segunda-feira (18) o diretor do Departamento de Gestão Hospital da pasta, Alexandre Telles.
A exoneração será publicada no “Diário Oficial da União”.
A decisão ocorre um dia após o Fantástico mostrar a precariedade e os problemas de atendimento da rede hospitalar federal do Rio de Janeiro.
A partir de 8 de abril, Telles teria ainda mais poder no Ministério da Saúde. O departamento que ele comandava iria concentrar as compras e contratações das 6 unidades hospitalares da rede federal no Rio. Isso era uma tentativa da pasta de acabar com o abandono e o desperdício que assolam os hospitais.
Mas Telles nem vai chegar a exercer esse maior poder. A exoneração foi acertada em uma reunião com Nísia, em Brasília, após as denúncias.
A chefia do departamento era um cargo de confiança para o qual a própria Nísia havia indicado Telles. Ele foi aluno da ministra na Fundação Fiocruz, além de ter sido presidente do Sindicato dos Médicos do Rio.
Com a exoneração, médicos e pacientes dos hospitais federais estão em dúvida sobre se vai continuar em vigor a ideia de o Departamento de Gestão concentrar as compras e licitações. O temor é que, sem isso, os hospitais fiquem sujeitos ao histórico de apadrinhamento político e ineficiência (veja mais abaixo).
Nísia participou de uma reunião mais cedo nesta segunda com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e demais ministros do governo. A intenção de Lula era cobrar de sua equipe mais empenho nas ações de governo e mais dedicação ao expor para o país as conquistas da gestão.
Nísia foi uma das ministras que falaram na reunião. Antes do discurso dela, Lula mencionou a reportagem do Fantástico e os problemas na rede federal hospitalar.
Problemas nos hospitais
O Fantástico entrou nas seis unidades dos hospitais federais do Rio de Janeiro, referências no atendimento de alta complexidade, como tratamento de câncer, cardiologia e transplantes.
Em muitos setores dos hospitais, há aparelhos médicos quebrados e caixas de materiais vencidos ou danificados — como utensílios cirúrgicos e próteses ortopédicas, cujo valor passa dos R$ 20 milhões.
A responsabilidade sobre quem deixou as próteses e materiais cirúrgicos perderem a validade ainda está sendo investigada.
Outro problema é a rede elétrica, que em muitos pontos está comprometida, colocando em risco a segurança de pacientes e funcionários.
No Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio, um laudo da empresa responsável pela manutenção da rede já apontava, em maio do ano passado, a situação crítica, com cabos subdimensionados e superaquecidos, aumentando o risco de incêndios.
A empresa recomendou não abrir mais setores no hospital para garantir que a estrutura não cedesse. Com isso, a ala da emergência está fechada há mais de três anos, sem previsão para ser reaberta.
As condições precárias podem ainda fazer chegar menos tensão do que alguns equipamentos precisam, o que significa que aparelhos de UTI, por exemplo, podem estar funcionando abaixo da capacidade ideal, ou sequer estar funcionando.
Apadrinhamentos políticos
Por trás desse cenário de ruínas, o Fantástico também verificou uma longa lista de denúncias sobre loteamento dos cargos públicos nesses hospitais. Há décadas, cargos cobiçados na direção das unidades são disputados por grupos políticos, que indicam nomes para funções sem o devido critério técnico.
Em muitos casos, esses apadrinhados estão sendo investigados por denúncias sobre ineficiência, negligência e corrupção.
Um dos casos suspeitos envolve Helvécio Magalhães, secretário responsável pela atenção especializada hospitalar no Ministério da Saúde.
No começo de março, a dona de uma empresa chamada Potenza, do ramo da construção civil, usou o nome dele para entrar em um dos hospitais federais, o de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio
Imagens de câmeras de segurança mostram Grasielle Esposito circulando pela unidade no dia 8 de março. Uma ata registrou uma declaração de Grasielle dizendo que teria sido enviada ao hospital por Helvécio como consultora, para avaliar as condições da estrutura de energia e tratar da reabertura da emergência da unidade.
A ala está fechada há mais de 3 anos, justamente pela incapacidade da rede elétrica do hospital de supri-la com segurança.
Na quarta-feira (13), Grasielle voltou ao hospital e participou de uma reunião ao qual o Fantástico teve acesso. Nela, citou novamente Helvécio, dizendo que ele havia pedido para que fosse feito um estudo sobre o status de conservação dos hospitais federais, com ciência da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Em entrevista, Grasielle negou que ocupe cargo público atualmente. Perguntada sobre a reunião, ela reforçou que não foi como empresa, mas como pessoa física.
Grasielle Esposito já conhecia Helvécio Magalhães há anos. Em 2016, quando ele era secretário estadual de planejamento e gestão de Minas Gerais, nomeou Grasielle para supervisionar a sede administrativa do governo mineiro.
Em nota, Helvécio confirmou que a enviou ao Hospital Federal de Bonsucesso e alegou que ela passava por processo de contratação como consultora da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. E que a visita ocorreu devido à urgência das condições do hospital. O secretário não respondeu à pergunta sobre a visita ter acontecido sem Grasielle ter qualquer vínculo com o Ministério da Saúde.
Funcionários do hospital denunciaram o caso ao Ministério Público Federal. A ministra da Saúde disse que vai mandar que o fato seja apurado.
Ministério cria comitê para intervir em hospitais federais
O Ministério da Saúde criou um comitê para colocar em prática uma “intervenção” nos seis hospitais federais do Rio de Janeiro. Após denúncias de precariedade nas instalações e atendimento prestado e corrupção envolvendo indicações políticas para cargos nas unidades de saúde, a ministra Nísia Trindade assinou uma portaria detalhando o comitê. Segundo o documento, o objetivo é alcançar “melhorias na governança” dos hospitais.
De acordo com a pasta, o comitê vai coordenar, pelo prazo de 30 dias — prorrogáveis por mais 30 —, “as ações para o funcionamento adequado das unidades e o atendimento de qualidade para a população”. “O grupo irá interceder junto às direções dos Hospitais Federais para colocar em prática as ações necessárias, promover o diálogo junto aos servidores, sindicatos, gestores e propor melhorias na governança”.
Com G1*