Ilustração
Maria José Rocha Lima
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, ao incluir o analfabetismo no Código Internacional de Doenças, criou um novo CID. O CID, criado em 1893 pelo Instituto Internacional de Estatística, e depois modernizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), deverá ganhar uma outra nomenclatura com a inovação do governador. Também deverá entrar no Guinness World Records, por descobrir uma doença inimaginável: Analfabetismo.
Senhor Governador, aprender é para o ser humano o que nadar é para o peixe. O cientista francês Bernard Charlot nos ensina que “nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender é a característica essencial da condição humana. A condição humana exige um movimento longo e complexo e nunca acabado no sentido de apropriar-se (parcialmente) de um mundo preexistente. Essa apropriação obrigatória desencadeia três processos: hominização (tornar-se homem ou mulher); singularizar-se (tornar-se exemplar único); e socialização (tornar-se membro de uma comunidade).
Naturalizar o analfabetismo e as não-aprendizagens na escola baiana como doença, como pobreza dos alunos; como condições sociais que os fazem chegar à escola despreparados e incapazes para aprender são argumentos que desmoralizam o sistema, minam a autoridade dos professores para ensinar com argumentos externos à escola. Manter esse pensamento naturalizado sobre a evasão, a reprovação, a não-aprendizagem será uma forma de não transformar o sistema, desresponsabilizarem a escola e os professores, que não se livram da manipulação do próprio sistema.
Parece ser mais fácil aceitar que a não-aprendizagem seja fenômeno inevitável, imutável, permanente e impenetrável às nossas ações do que buscar ensinar a todos.
“O fatalismo, quase sempre, leva à crença de que podemos fazer muito pouco para mudar as condições em que agimos.” (BAUMAN – 2010) A familiarização com a não-aprendizagem vira autoexplicação.
Permanecer na escola sem aprender é enganação, exclusão disfarçada. Não aprender na escola causa muita humilhação e revolta e constitui caldo de cultura para a violência.
É perturbador que defensores da inclusão, como o governante, empurrem para a “classe de doentes” crianças que são vítimas da escola que, inacreditavelmente, não alfabetiza.
Senhor Governador, Analfabetismo não é doença. O analfabetismo é felonia praticada pelos governantes. O senhor mesmo excluiu os professores primários, alfabetizadores, formados nas Escolas Normais, da Lei do Piso.
Analfabetismo é violência institucional, é resultado de repetidos séculos de negligência com a educação popular, é falta de prioridade para a educação das nossas crianças, é resultado das transgressões das leis como o Fundef e Fundeb, é a falta do cumprimento da Lei 11.738/2008 e todas as leis que definem pagamento de Piso Salarial e criação de planos para atratividade de bons profissionais para a carreira. Estas últimas leis são descumpridas na integralidade em 60% dos municípios baianos, sem falar no desprestígio dos cursos de Pedagogia e de formação continuada para a formação do professor. O analfabetismo é consequência da malversação na aplicação dos recursos público, da corrupção histórica e desprezo pelos professores.
O patrono da Sociologia Brasileira, Florestan Fernandes, nos desafiava a compreender “essa brutalização cultural do professor, que se faz desde o passado longínquo e que chega a ser tenebrosa com relação aos professores, por exemplo, de crianças – as célebres professoras primárias”. Para ele, o aviltamento salarial do professor primário “é o mais deletério de todos. Poucos países reduzem o professor primário a uma condição tão próxima da miséria relativa quanto o Brasil”. (1989, p.58).
O Analfabetismo é desonra e uma estratégia poderosa de dominação da elite brasileira.
Maria José Rocha Lima é Professora aposentada. Mestre em Educação da Universidade Federal da Bahia. Doutora em Psicanálise. Foi deputada de 1991 a 1999. Fundadora da Casa da Educação Anísio Teixeira. Soroptimist International – SI Brasília Sudoeste. Prêmio Nacional de Educação da Câmara Federal e agraciada com o Premio Bertha Lutz por relevantes serviços prestados à causa da Mulher.