Miguel Lucena*
O engano é uma arma usada pelos seres vivos para garantir a sobrevivência, mas será que os humanos, como seres culturais, precisam enganar para vencer na vida?
O logro está presente em nossas vidas. Quem nunca foi vítima de uma mentira contada por alguém que fez juras de amor eterno e não cumpriu, de uma amizade a toda prova que ruiu na primeira contrariedade, de uma lealdade sem correspondência e de promessas nunca efetivadas?
O mundo está cheio desses enganos. Reclama-se muito dos políticos como descumpridores de promessas, mas os indivíduos em geral enganam e se auto-enganam. Quanto menor a incidência desse fenômeno, mais avançada e menos doente será a sociedade.
Vejamos se os engodos aplicados por outros seres do nosso planeta têm correspondência com o que fazem os seres humanos.
O pesquisador e economista Eduardo Giannetti, na obra Auto-engano, mostra que a natureza é cega, perseverante e desprovida de escrúpulos, porque um organismo fará tudo o que estiver ao seu alcance para saciar suas necessidades prementes.
Começa na vida molecular, com práticas de camuflagem, despiste e desinformação para defesa e tentativa de invasão dos organismos.
O tripanossomo africano – que provoca a doença do sono – entra no sistema circulatório humano e exibe uma proteína-isca que engana a defesa do organismo.
No reino vegetal, a erva-de-vênus (Dionaea muscipula) ostenta uma pseudo-flor que atrai, prende e traga insetos. Outras plantas imitam o aspecto e liberam odor de fezes secas para atrair moscas e besouros. Orquídeas reproduzem-se por meio de alogamia – o processo de fecundação requer que o pólen de uma flor se misture ao estigma de outra. Elas vencem a distância atraindo insetos seduzidos com estímulos sexuais que evocam o aspecto, a coloração e o odor das respectivas fêmeas. Eles acabam montando na flor, fazem uma pseudo-cópula, e assim os sacos de pólen se fixam em seu corpo e são carregados e misturados ao órgão sexual de outra orquídea.
No reino animal, o percevejo africano caça formigas, gruda suas carcaças sobre seu corpo e penetra disfarçado no formigueiro, onde se alimenta à vontade sem ser notado. O macho da mosca conquista a fêmea oferecendo-lhe comida, mas há um tipo de macho que se faz de fêmea, come a comida e quando o macho verdadeiro aparece ele se manda, que não é besta.
Há muito a mostrar, o que faremos em próximo artigo, mostrando os enganos por ocultamento, que se baseia em ardis de camuflagem, mimetismo e dissimulação, e por desinformação ativa, baseado em práticas como o blefe, o logro e a manipulação da atenção, como nos ensina Giannetti.
Qualquer semelhança com as técnicas Inteligência, Investigação e Arte da Guerra, no último caso, não será mera coincidência. O ser humano imita a natureza, mas não precisa ser igual, eis que dotado de inteligência e livre-arbítrio.
*Miguel Lucena é delegado aposentado da Polícia Civil do DF, escritor e jornalista.