Ao todo, 2.975 sentenciados atuam em funções dentro e fora do sistema prisional. Nova iniciativa vai aumentar a quantidade de contratos no âmbito privado
Foto: Lúcio Bernardo Jr. / Agência Brasília
Eles estão nas lavanderias dos hospitais e nos jardins das diversas regiões do Distrito Federal, bem como nos serviços de manutenção e em áreas administrativas. O Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), oferece emprego e oportunidade de ressocialização para 2.975 reeducandos atualmente. O número mais do que triplicou em comparação ao registrado em 2019, quando havia em torno de 800 sentenciados contratados.
Do total de reeducandos, 2.784 trabalham em ações externas pela Funap – ou seja, estão alocados em órgãos públicos, empresas privadas e no terceiro setor. Já 191 atuam dentro do sistema carcerário, no chamado trabalho interno. No total, são 90 contratos empregatícios. Há ainda 1.258 reeducandos que aguardam uma oportunidade de serviço.
“Queremos quebrar o estigma que ainda existe em relação a contratar um reeducando. O trabalho é um dos pilares principais na ressocialização. Os números demonstram que, dos reeducandos que estão inseridos no mercado de trabalho, a reincidência é de menos de 5%”Deuselita Martins, diretora-executiva da Funap
Criada pela Lei n° 7.533, de 2 de setembro de 1986, a Funap completou 37 anos de existência neste ano e, como comemoração, lançou um novo programa de inserção profissional de reeducandos. É o Capacita Funap, iniciativa que tem o propósito de disponibilizar mão de obra de apenados para empresas que manifestem interesse em receber esse tipo de auxílio.
“A fundação vai contratar os reeducandos e disponibilizá-los nas empresas que se mostrarem interessadas durante três meses sem qualquer custo”, explica a diretora-executiva da Funap, Deuselita Martins. Ao final do período, a empresa poderá contratar os reeducandos e iniciar um novo processo de aprendizagem e ressocialização com novos participantes. Por outro lado, caso a empresa decida não efetivar nenhuma contratação, será suspensa do programa por um ano.
Os custos dos reeducandos serão de responsabilidade da Funap – salário ressocialização, calculado a partir de três quartos do salário mínimo, equivalente a R$ 990, auxílio alimentação, vale-transporte e seguro-acidente. Pelo menos cinco empresas privadas já demonstraram interesse em participar do programa.
“Queremos quebrar o estigma que ainda existe em relação a contratar um reeducando. O trabalho é um dos pilares principais na ressocialização. Os números demonstram que, dos reeducandos que estão inseridos no mercado de trabalho, a reincidência é de menos de 5%”, aponta a diretora-executiva. Atualmente, cerca de 200 reeducandos do total contratado atuam na rede privada. Os demais estão lotados em órgãos públicos e no terceiro setor.
Os reeducandos cumprem pena no regime semiaberto com autorização para o trabalho externo e no regime aberto. Em troca, recebem uma bolsa ressocialização de 3/4 ou mais do salário mínimo, auxílio transporte e auxílio refeição. Aqueles que estão no semiaberto têm remição de pena, ou seja, para cada três dias trabalhados é descontado um dia na totalidade da pena que devem cumprir.
Alçar novos voos
O reeducando Pedro Almeida (nome fictício), 40 anos, encontrou na Funap uma chance de recomeço. Desde agosto de 2022, ele trabalha com o gerenciamento da fila de interessados nas vagas de emprego, auxiliando na organização da demanda e procura. Biólogo por formação e morador de Taguatinga, Pedro relaciona o retorno à vida em sociedade com o desenvolvimento de um pássaro.
“É como se fossemos um passarinho que quebrou a asa e está machucado, mas quer voltar a voar. A Funap ajuda nesse processo, ajuda o reeducando a se inserir na sociedade, se ressocializar e aprender os valores corretos”, aponta Pedro, que ressalta a importância da autorresponsabilidade. “Quando você é preso, volta de lá sem confiança, moribundo, para baixo. A Funap te devolve a dignidade, faz você se sentir útil, faz você sentir que tem valor, o que é muito importante. A Funap dá a oportunidade, mas se a pessoa vai agarrar ou não, é com ela”, completa.
A reeducanda Maria Santana (nome fictício), 40, tentou outros caminhos antes de procurar a Funap. “Mesmo tendo conhecido a fundação dentro do sistema (carcerário), demorei uns três meses aqui fora para buscar emprego por ela. Procurei em outros locais, só que quando chegava na hora de emitir o documento de nada consta, não dava certo. Aqui não, logo depois que cheguei, já sabia que ia trabalhar”, conta. Em abril, iniciou a jornada como assistente na gestão dos contratos da Funap, com a função de auxiliar na organização da demanda feminina por vagas de emprego.
A oportunidade de ressocialização abriu novos horizontes para Maria, que pretende voltar a atuar na área de formação. Antes de ser detida, ela era analista de gestão de pessoas em órgãos públicos. “A fundação veio para mim como uma abertura de portas. Quando você sai do sistema, está totalmente sem chão, sem saber onde vai trabalhar, o que vai fazer da sua vida”, compartilha. “É a fundação é toda estruturada, desde o apoio dentro do sistema até aqui fora, faz toda a triagem, te recebe, te acolhe, te orienta sobre o que você deve fazer para se ressocializar. Hoje o meu trabalho é valorizado de igual para igual, é reconhecido, sou cobrada, e por isso tento fazer o melhor.”
Exemplo da eficácia da ressocialização é o empresário Rafael do Nascimento da Silva, 38. Em 2018, quando estava detido, conheceu a Funap e começou a trabalhar, internamente, como cozinheiro. Quando saiu do presídio, foi contratado na área de manutenção e zeladoria, em que trabalhou até 2021. Atualmente, gerencia uma empresa de construção civil, focada em drywall, que contrata seis ex-reeducandos, entre pintores, eletricistas e outras especialidades.
“A experiência na Funap me ajudou a me reerguer”, conta ele, que define o órgão como esperança. “Muitas pessoas que estão no presídio ficam conversando coisas que não convém e acabam se juntando para fazer o que não presta. Então, a partir do momento que se começa a ensinar que eles têm uma chance de trabalho e na sociedade, mudam o pensamento.”
Com Agência Brasília