Em encontro com universitários, chefe da Igreja católica afirma que eles não devem ter medo de empreender um mundo melhor e mais justo. E ressalta a importância das mulheres nesse processo
Papa Francisco: “Tenham, portanto, a valentia de substituir os medos por sonhos, não sejam administradores do medo, sejam empreendedores de sonhos” – (crédito: Antonio Cotrim/Pool/AFP)
Lisboa — O papa Francisco desafiou jovens universitário a empreenderam um mundo melhor. Em vez de medo do futuro, ele recomendou, em conversa com estudantes da Universidade Católica de Portugal, que prevaleça a valentia. O pontífice, que está na capital portuguesa para participar da Jornada Mundial da Juventude (JmJ) — 400 mil peregrinos devem rezar com ele nesta quinta-feira (3/8) —, alertou, porém, para que que a atual geração não se deixe levar por visões parciais, pois podem se tornar presas fáceis da especulação e do mercado selvagem.
“Tenham, portanto, a valentia de substituir os medos por sonhos, não sejam administradores do medo, sejam empreendedores de sonhos”, enfatizou Francisco. Segundo ele, os jovens não podem se conformar com simples medidas paliativas e com compromissos tímidos e ambíguos. “Busquem, arrisquem-se. Neste momento histórico, os desafios são enormes e os gemidos dolorosos, mas abraçamos o risco de pensar que não estamos em uma agonia e, sim, num parto. Não é o final, mas o começo de um grande espetáculo. Sejam todos protagonistas de uma nova coreografia”, afirmou.
Para o papa, os estudantes devem tirar todo o proveito de terem acesso a uma universidade, um centro de pensamento, de criação e de descobertas. Por isso, para ele, seria um desperdício pensar em uma instituição de ensino comprometida em formação de novas gerações atuando para perpetuar o atual “sistema elitista e desigual, em que a educação superior é privilégio de poucos”. É fundamental, na avaliação do pontífice, que os universitários sejam protagonistas das mudanças e se dediquem a um mundo mais justo e inclusivo. “Necessitamos escutar o sofrimento do planeta, o lamento dos mais pobres. Não se pode plantar-se como uma fortaleza rodeada de muros”, recomendou.
Neste momento, Francisco chamou a atenção para o drama dos refugiados, que não têm encontrando o acolhimento necessário para deixar uma vida de sofrimentos para trás e iniciar uma nova trajetória em que um futuro melhor seja possível. Vários países da Europa têm recebido milhares de refugiados de guerras, das mudanças climáticas e de perseguições religiosas, contudo, não são integrados à sociedade. Essa triste realidade, por sinal, fez crescer, de forma acelerada, a xenofobia e, com ela, a extrema-direita, cujos representantes não se sensibilizam com as centenas de pessoas que têm morrido nas travessias do Mediterrâneo.
Verdadeiras regentes
Francisco, que ouviu os testemunhos de quatro universitários sobre o mundo atual, fez questão de ressaltar a importância das mulheres para a construção de uma sociedade menos desigual. Para ele, são elas as “verdadeiras regentes” da economia e da vida. “A contribuição feminina para um mundo melhor é indispensável. Por mais que a Bíblia fale em economia da família, são as mulheres que realmente comandam a casa, que tem por objetivo o bem-estar de todos. “É apaixonante empreender os estudos econômicos partindo desta perspectiva, com a intenção de restituir a economia da dignidade, para que não se caia nas mãos de um mercado selvagem e da especulação”, reforçou.
A inquietude também será importante ferramenta para que todos saiam da zona de conforto em que se encontram. “Não devemos ter medo de nos sentirmos inquietos, de pensar que o que temos basta. Estar insatisfeito na justa medida é um bom antídoto contra a presunção de autossuficiência e do narcisismo”, assinalou o pontífice. Não se pode, para ele, ficar com saudades do futuro, pois a autopreservação é uma tentação, um reflexo condicionado do medo, que faz as pessoas olharem o mundo de uma forma distorcida. O papa frisou, ainda, a importância de se analisar os fatos em conjunto, não de um lado ou de outro, numa polarização que em nada contribui para o bom andamento da sociedade. A polarização está clara, sobretudo, na política, com consequências nefastas.
Da universidade, Francisco se dirigiu para Cascais, mais precisamente à Schollas Correnttes, projeto que criou ainda quando era pároco na Argentina, para acolher estudantes de todos os credos. Ali, ele foi questionado por estudantes sobre as constantes crises vividas pelo mundo. Em resposta, o pontífice disse que “a vida sem crise é como água destilada, não serve para nada”. Segundo o Papa, é preciso assumir a crise e enfrentá-la. “Todos passamos por momentos obscuros, de caos. O caos deve ser transformado num cosmos. Esse deve ser o caminho. Mais vale sujarmos as mãos do que sujarmos o coração”, destacou.
Ao final da conversa, o chefe da Igreja católica deixou a sua marca em um painel de 3,5 quilômetros pintado, ao longo de 500 horas, pelos estudantes e moradores de Cascais. Intitulada “A vida entre muros”, foi comparada a uma espécie de Capela Sistina, no Vaticano, obra-prima de Michelangelo. Para Francisco, é preciso que todos seja maestros da esperança.
Com o Correio*