Movimento criado na década de 1970 reúne mães que até hoje protestam e cobram informações sobre os filhos que desapareceram na ditadura militar.
A líder da Associação Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini, morreu neste domingo (20), aos 93 anos, na Argentina. Hebe foi cofundadora e símbolo de um movimento de mães formado na década de 1970 para cobrar informações sobre os filhos sequestrados, torturados e desaparecidos durante a sanguinária ditadura militar que governou o país entre 1976 e 1983 e deixou 30 mil mortos.
Ainda hoje, as Mães da Praça de Maio se reúnem todas as quintas-feiras para marchar na praça de mesmo nome, diante da Casa Rosada, a sede do governo argentino, em busca de justiça e verdade. Hebe perdeu dois de seus três filhos sequestrados pelos militares.
A icônica militante vinha enfrentando problemas de saúde e foi internada duas vezes recentemente num hospital em La Plata, cidade vizinha a Buenos Aires. A causa da morte não foi informada.
O presidente argentino, Alberto Fernández, decretou luto oficial de três dias em “homenagem a Hebe, sua memória e sua luta, que estarão sempre presentes como guia nos momentos difíceis”. Em uma rede social, o presidente disse que Hebe “enfrenou os genocidas quando o sentido comum coletivo ia em outra direção. Com enorme carinho e sincero pesar, me despeço dela. Até sempre”.
Muito próxima de Hebe, a vice-presidente Cristina Kirchner disse que a aliada foi um “símbolo mundial da luta pelos direitos humanos e orgulho da Argentina”.
O presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, lamentou a morte de Hebe numa rede social e disse que ela ajudou a criar um dos mais importantes movimentos democráticos da América Latina. “Sua luta e perseverança seguem sendo exemplo para os que acreditam em um mundo mais democrático.”
Lula lamentou a morte de Hebe de Bonafini em post no Twitter — Foto: Reprodução
A origem das Madres
Hebe de Bonafini se tornou um símbolo da luta pelos direitos humanos na Argentina e na América Latina — Foto: Eduardo Di Baia/AP, File
No dia 30 de abril de 1977, em plena ditadura militar na Argentina, 14 mulheres se reuniram na Praça de Maio, em frente à sede do governo em Buenos Aires, para protestar por seus filhos desaparecidos, iniciando assim mais de 40 anos de uma luta incansável por verdade, memória, justiça e pela vida.
Desde aquele dia, o número de mulheres que se reunia todas as quintas-feiras para exigir informação sobre os desaparecidos foi aumentando e, em 14 de maio de 1978, foi criada a Associação das Mães da Praça de Maio.
A Secretaria de Direitos Humanos argentina compartilhou no Twitter seu “profundo pesar pela morte de Hebe de Bonafini, uma figura emblemática na luta pelos direitos humanos na Argentina e no mundo”.
Após o desaparecimento de dois dos seus filhos durante a última ditadura civil-militar, a organização recordou: “Hebe partilhou com as mães um destino que as uniu na luta contra a impunidade dos crimes de terrorismo de Estado, resistindo ao silêncio e ao esquecimento”.
“A sua vida e obra, o seu exemplo de empenho e dedicação às causas populares constituem um legado que nos acompanhará para sempre, orientando-nos no caminho da defesa dos direitos humanos e da memória, verdade e justiça, mas também na luta contra a impunidade e o neoliberalismo “, acrescentou a pasta liderada por Horacio Pietragalla.
Tuíte de carta do presidente da Argentina Alberto Fernández — Foto: Reprodução/Twitter
Repercussão
A morte de Hebe de Bonafini repercutiu entre políticos da Argentina e de outros países da América Latina, como os presidentes da Bolívia, Evo Morales, e do Chile, Gabriel Boric.
“Minhas mais profundas condolências ao povo argentino e especialmente à família de Hebe de Bonafini, fundadora das Mães da Praça de Maio. Do Chile, despedimo-nos dela com profundo respeito e admiração por sua luta inabalável pela verdade, memória, justiça e direitos humanos”, escreveu Gabriel Boric, presidente do Chile, no Twitter.
Em publicação no Twitter, o ex-presidente boliviano Evo Morales escreveu: “Muito triste e consternado com a partida da irmã Hebe de Bonafini, histórica, respeitada e querida presidente das Mães da Praça de Maio. Sua luta incansável e incorruptível contra as ditaduras pela memória, verdade e justiça é um exemplo para as novas gerações”.
“Vai-se uma lutadora. Tomara que seu exemplo floresça em multidões de mulheres do povo argentino e latino-americano”, afirmou Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai. “Essa mulher é um desafio para as gerações que virão, porque a vida continua.”
“Partiu hoje Hebe de Bonafini, fundadora da associação Mães da Praça de Maio, na Argentina. A ditadura tirou seus filhos Jorge Omar e Raúl. Foi uma lutadora incansável. Vá em paz, Hebe!”, disse Guilherme Boulos (PSOL), deputado federal eleito por São Paulo.
Hebe de Bonafini com a ex-presidente Dilma Rousseff, durante encontro em janeiro de 2011 — Foto: Eduardo Di Baia/AP
Biografia
Bonafini nasceu em 4 de dezembro de 1928 em um bairro popular da cidade de Ensenada. Em 29 de dezembro de 1942, aos 14 anos, casou-se com Humberto Alfredo Bonafini, com quem teve três filhos: Jorge Omar, Raúl Alfredo e María Alejandra.
Em 8 de fevereiro de 1977, durante a ditadura militar, seu filho Jorge Omar foi sequestrado em La Plata. Em 6 de dezembro do mesmo ano, aconteceu o mesmo com Raúl Alfredo, em Berazategui. Um ano depois, em 25 de maio de 1978, a ditadura militar também sequestrou a sua nora María Elena Bugnone Cepeda, esposa de Jorge.
Em 1979, tornou-se presidente da Associação Mães da Praça de Maio e, desde então, era reconhecida como uma influente ativista de direitos humanos.
Em outubro, Hebe foi internada no Hospital Italiano, na cidade de La Plata, para exames médicos, durante três dias.
Antes da internação, a ativista havia liderado a reunião na Praça de Maio na quinta-feira, dia 6 de outubro. No dia 5, Hebe esteve no Centro Cultural Kirchner para a inauguração de uma exposição fotográfica em sua homenagem.
Na ocasião, ela agradeceu pelas fotos com imagens de seus filhos Jorge Omar e Raúl Alfredo. “Esqueci quem eu era no dia em que eles desapareceram, nunca mais pensei em mim”, disse.
Revendo sua biografia, Hebe afirmou que seus pais e avó lhe ensinaram “o valor do trabalho”, enquanto seus filhos desaparecidos lhe ensinaram “o que é política”. (g1)