O delegado da PF Thiago Marcantonio Ferreira afirma que o trabalho da proteção de presidenciáveis mostrou que a corporação não tem partido
CAMILA MATTOSO E FABIO SERAPIÃO
BRASÍLIA, DF
O delegado da Polícia Federal Thiago Marcantonio Ferreira afirma que o trabalho desenvolvido na proteção de presidenciáveis durante as eleições mostrou que a corporação não tem coloração partidária.
Responsável pelo setor da PF que coordenou as equipes, Marcantonio disse em entrevista à Folha de S.Paulo que a ação durante o pleito ajudou a neutralizar atentados e que, embora houvesse um acirramento de ânimos, as campanhas cooperaram para evitar problemas maiores de segurança.
O policial rechaçou acusações de que o órgão seja bolsonarista, afirmando que a PF não tem lado e faz um trabalho institucional, pautado na técnica.
“Fizemos uma grande operação para a corporação e a sociedade ter orgulho. Vamos continuar cumprindo nossa missão quando a sociedade nos chamar. Nunca antes na história desse país houve uma estrutura tão forte de segurança disponibilizado para um candidato, como foi para o presidente eleito Lula.”
Marcantonio é delegado desde 2006, ocupou cargos de chefia na PF e atuou na direção da área de inteligência do Ministério da Justiça sob André Mendonça, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
No comando da Coordenação de Proteção às Pessoas, o delegado é responsável pela área que cuida da segurança de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) até a posse. Depois, a atribuição será do GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
De acordo com o delegado, a organização da cerimônia prevê inicialmente a presença de ao menos 60 chefes de estado –a PF será responsável pela segurança de todos eles.
PERGUNTA – A segurança na campanha foi mais tranquila do que a PF imaginava?
THIAGO MARCANTONIO FERREIRA – Não foi mais tranquilo, o que eu posso dizer é que não se concretizaram as ameaças que a gente poderia vir a enfrentar. Houve episódios e foram neutralizados tanto pela atuação da inteligência quanto pelas atuações em campo. A equipe do candidato eleito teve alguns incidentes [como o do homem que foi detido por xingar Lula de ladrão] e efetuou algumas prisões. Nada que a gente considere grave.
Acho que o preparo que a PF fez ajudou a neutralizar, o fato de nós termos feito essa preparação com antecedência, um ano antes, e ter mostrado que as equipes estavam preparadas, isso tem caráter dissuasório. Embora tenha sido uma eleição dura, teve um certo respeito das campanhas. Houve acirramento, mas ficou só na questão da eleição.
P. – O aumento do número de pessoas armadas em virtude das flexibilizações do governo Bolsonaro preocupou vocês [a Folha mostrou que a equipe que protegia Lula manifestou essa preocupação]?
TF – Essa é uma questão que não diz respeito a nós. O presidente Bolsonaro, em 2018, quando havia outra política de armas, foi alvo de um atentado com faca. A gente não se detém a um só fator, a gente se detém a vários. O atentado pode vir de várias formas. Para a transição e posse vale o mesmo. Agora as atenções estão todas voltadas para uma única autoridade protegida.
P. – A candidatura do Lula foi classificada como nível 5 [o mais alto risco]. Como fica agora durante a transição?
TF – Agora a gente não trabalha com classificação do nível de risco. Agora é uma estrutura de presidente eleito, é uma estrutura maior. A gente faz análise de risco agora de eventuais fatos e ameaças que surjam.
Mas ainda consideram uma situação delicada? Essa necessidade de fazer um acompanhamento mais próximo é natural. A gente vem no processo eleitoral polarizado, então agora o fato de ele ter sido eleito não diminui a necessidade da nossa atenção. O diferencial agora é que há uma exposição pública menor.
P. – Há uma porção de caminhões em Brasília a favor de Bolsonaro. Como avalia esse cenário?
TF – A preocupação é a mesma do que tínhamos na campanha. A nossa inteligência faz o acompanhamento e busca subsidiar a equipe se identificar alguma ameaça concreta. E vai fazer o contato para que a equipe possa tomar as medidas necessárias para evitar um incidente.
Como a gente faz a segurança aproximada do eleito, isso não é um fator que traga uma preocupação exacerbada, mas é um fator de atenção que a gente tem que levar em consideração. Mas isso é mais uma atribuição da Secretaria de Segurança Pública do DF, que está atenta.
P. – Como está o planejamento da posse?
TF – Já iniciamos a formatação da operação. Nas tratativas com o Ministério das Relações Exteriores eles apontaram uma previsão de vinda de 60 chefes de Estado. Trabalhamos em cima desse número.
P. – Qual a imagem que a PF deixa após a atuação nas eleições?
TF – Terminado o pleito a gente pode dizer que se tem alguém que venceu foi a PF, toda a PF. A operação envolve todas as diretorias. É gratificante, porque ao final a gente vê que a PF foi a maior vencedora dessa eleição nesse aspecto de segurança, porque foi uma atuação exemplar.
Havia uma desconfiança sobre a atuação da instituição [houve antes da campanha desconfiança de petistas em razão das suspeitas de interferência de Bolsonaro e também pelo histórico da Lava Jato e a prisão de Lula, por exemplo]. A imagem final que fica da PF é a de uma instituição republicana, que cumpriu mais uma vez, num contexto difícil, o seu papel institucional e constitucional, isso é o mais importante, mesmo havendo desconfiança, e tinham várias, sob vários aspectos.
P. – A que o senhor atribui a desconfiança?
TF – Eu não atribuo porque isso tem que ser perguntado para quem tinha desconfiança. As pessoas que tinham desconfiança que têm de dizer por que tinham. Eu nunca tive a menor desconfiança, nem como profissional e nem como cidadão.
A instituição comete erros como qualquer outra instituição. Mas a essência da PF é de uma instituição isenta, imparcial, técnica e que investiga e pune, inclusive seus próprios servidores quando há desvios.
P. – Os partidos puderam indicar nomes da equipe. Isso não estava previsto. Em alguns momentos, tensões foram criadas. Isso atrapalhou o trabalho?
TF – A ideia era ter um elemento que facilitasse a interlocução entre a coordenação em Brasília, a equipe e o partido. Uma operação desse tamanho tem um nível de estresse alto. Tanto para quem está aqui coordenando, quanto para as equipes que, além da responsabilidade, tem esse estresse diário de trabalhar na segurança de uma pessoa que é exposta. Fazendo uma reflexão, eu não vi problema.
P. – Como evitar a contaminação política de quem participa da segurança de um candidato?
TF – Há o caso da eleição de 2018, quando o delegado Alexandre Ramagem ficou próximo de Bolsonaro e foi escolhido para ser diretor-geral um ano e quatro meses depois. O que a gente tem como remédio para isso é a nossa cultura institucional de integridade e técnica. Não tem como impedir as pessoas de construir relações. A segurança do presidenciável traz uma proximidade natural, mas existem “n” fatores nas relações sociais e institucionais que também trazem essa proximidade. Isso não é uma exclusividade de uma proteção que você vai fazer de um presidenciável.
Essa proximidade é natural, mas acontece tanto para se aproximar como para não se aproximar. No caso de Bolsonaro, por exemplo, dois chefes da segurança [antes do Ramagem] não ficaram [eles foram retirados da função após atritos com o candidato à época] e um apenas ficou próximo. É algo que não está no nosso controle, o que a gente pode fazer é massificar nossa cultura de impessoalidade, de integridade e de técnica na execução das nossas atividades.
P. – No caso deste ano, com Lula, por exemplo, a PF permitiu que pessoas que já tinham relação com o candidato ou com o partido fossem fazer a segurança. Um deles, Andrei Passos, é um dos nomes que circulam como opção para ser diretor-geral do próximo governo. Se isso ocorrer, continuará achando que foi acertada a decisão da PF?
TF – A ideia foi fazer uma construção. Um nome que tivesse relação na instituição e que também tivesse uma boa relação com o protegido e o partido. Foi algo que foi construído. Sentimos a necessidade de atuar de forma diferente do padrão pelo contexto.
Agora a gente vai, enquanto instituição, fazer a reflexão de tudo isso. Se funcionou, se não, se foi bom para instituição ou se não. Se isso gerou mais fatores positivos ou negativos. Em cima disso, quem vier coordenar o processo de 2026 vai poder manter essa fórmula ou fazer as adaptações.
P. – A PF é bolsonarista?
TF – A PF tem 78 anos de história, acho até uma pergunta injusta. A PF não tem partido, não tem cor, ela tem uma missão, aliás, tem várias missões institucionais. Acho que a sociedade tem muito orgulho disso. A PF já deu “n” provas de que não tem nenhum lado, que é uma instituição séria, que prima pela técnica e, acabando a eleição, acho que ela deu mais um exemplo disso. A atuação da PF foi impecável.
P. – No governo Bolsonaro foram 4 chefes nomeados na PF e um barrado. Qual balanço o senhor faz?
TF – Eu só faço um balanço da proteção dos presidenciáveis e acho que foi superexitoso. Fizemos uma grande operação para a corporação e a sociedade ter orgulho. Vamos continuar cumprindo nossa missão quando a sociedade nos chamar. Nunca antes na história deste país houve uma estrutura tão forte de segurança disponibilizado para um candidato como foi para o presidente eleito Lula.
Em algum momento isso foi uma questão. A equipe do Lula, por exemplo, pediu mais pessoas do que foram dadas… Eles pediram não propriamente para a equipe dedicada, mas quando se deslocava queriam mais gente nas células das superintendências que iriam apoiar. Naquele momento, a gente avaliou que, além da candidatura do Lula, havia outras candidaturas. Isso gerou um determinado desacerto naquele momento. Eles estavam com uma missão duríssima, com uma autoridade classificada como maior risco e, dentro desse contexto, era natural que eles pedissem uma estrutura maior. (Com FolhaPress)