Segundo o estudo global, 67% dos jovens nesta faixa etária no Brasil praticam ativismo ao escolherem marcas de produtos ou serviços
DANIELE MADUREIRA
SÃO PAULO, SP
O estudante de educação física Victor Oliveira e Silva, 21 anos, já não pratica crossfit – treinamento que mescla exercícios aeróbios e modalidades esportivas, como levantamento de peso. Não que ele não goste da modalidade, ela é bem adequada para garantir condicionamento físico ao seu trabalho como professor de vôlei e futevôlei.
Mas depois que o americano Greg Glassman, o fundador da CrossFit Inc., empresa que deu origem ao programa de treinamento esportivo, fez uma ironia no Twitter após o assassinato de George Floyd em maio de 2020 (o homem asfixiado até a morte por um policial branco nos EUA), Silva deixou de praticar a modalidade.
Para piorar, um áudio vazado de uma reunião de Glassman com sua equipe, logo após o episódio do Twitter, reforçou a postura racista do empresário.
“O racismo é um tema que me toca profundamente”, diz Silva. “Eu não seria capaz de consumir nada de qualquer empresa que estivesse envolvida em casos de racismo ou que apoiasse manifestações racistas.”
Depois do escândalo, em meio ao movimento “Black Lives Matter” (vidas negras importam), a CrossFit perdeu patrocinadores de peso, como a Reebok, e diversas academias ao redor do mundo encerraram seus contratos de filiação. Glassman pediu desculpas e na sequência renunciou ao cargo de CEO da companhia. A sangria não estancou e ele acabou vendendo a empresa no final de junho de 2020, um mês depois do assassinato de Floyd.
Nada disso, porém, fez Silva mudar de opinião.
Assim como o estudante de educação física, milhões de jovens da geração Z, que hoje têm entre 14 e 26 anos, se mostram cada vez mais dispostos a direcionar o seu consumo por suas convicções pessoais.
Segundo o estudo global “Edelman Trust Barometer 2022: A Nova Dinâmica da Influência”, 67% dos jovens nesta faixa etária no Brasil praticam ativismo ao escolherem marcas de produtos ou serviços. No mundo, este índice chega a 73%.
A pesquisa ouviu 20,4 mil pessoas (entre elas, 6.700 jovens de 14 a 17 anos) entre maio e junho deste ano, no Brasil e em mais 13 países -entre eles, Estados Unidos, França, Alemanha, Japão, Índia, China e Arábia Saudita.
“O comportamento de consumo dos jovens da geração Z está intrinsecamente ligado à sua visão de mundo”, diz Marcília Ursini, vice-presidente de clientes de consumo da agência de comunicação Edelman Brasil. “É o que os leva a praticar a cultura do cancelamento: se uma marca não correspondeu aos seus valores e crenças, eles a abandonam.”
Mais do que praticar ativismo, o estudo identificou que a geração Z está disposta a atuar ao lado das marcas: 72% dos brasileiros dessa faixa etária buscam ação conjunta com as marcas para tratar questões como mudanças climáticas, pobreza, racismo, qualidade da informação e desigualdade de gênero. No mundo, esta disposição é verificada em 62% dos jovens.
Quando confiam no nome comercial, 78% da geração Z no Brasil “compram novos produtos que a marca apresenta” e “compram a marca mesmo se ela não for tão barata” -um índice maior que o da população brasileira em geral, de 72%. No mundo, 61% da geração Z tomam a mesma atitude, frente a 58% da média global de todas as faixas etárias.
“Quando as marcas apoiam publicamente ou demonstram compromisso com tópicos relevantes para a sociedade, os brasileiros se sentem mais propensos a comprar ou usar seus produtos”, afirma Marcília.
Menos carne, menos leite, menos fast fashion
O estudo identificou que, no Brasil, marcas que atuam por “acesso à saúde” têm 13 vezes mais propensão de serem adquiridas do que aquelas que não atuam. Os nomes de produtos ou serviços vinculados à defesa dos “direitos humanos” tem 12,5 vezes mais chances de consumo, mesmo índice da defesa de “justiça racial”. As marcas que atuam contra as “mudanças climáticas” têm 10,5 vezes mais chances de serem consumidas e, pela “igualdade de gênero”, 8 vezes mais apelo.
Depois de se formar em Administração e sair da casa dos pais, em setembro do ano passado, Enzo Rodrigues Nogueira, 23 anos, afirma ter mudado sua relação com as marcas de consumo. “Passei a ter total controle sobre o que iria consumir em casa”, diz ele, especialista em marketing digital. “Busquei o máximo de alinhamento com as coisas que eu acredito, especialmente no que se refere à sustentabilidade.”
Um exemplo, afirma, é a redução do consumo de carne e laticínios. “Tomo leite vegetal e priorizo marcas que tenham uma produção mais consciente, com menor impacto no ecossistema”, diz ele, que deixou de consumir vestuário de redes fast fashion por conta dos impactos da cadeia produtiva.
Nestas redes de moda rápida, a maioria das roupas é feita de poliéster, um material que demora 200 anos para se decompor e solta micropartículas de plástico quando lavado.
“Também procuro prestar atenção nos produtos de cuidado pessoal, para fazer escolhas que poluam o mínimo o possível”, diz ele, referindo-se ao menor uso de embalagens.
Entre as suas marcas preferidas está a Linus, uma sandália de plástico 100% reciclável, que exibe selos como o PETA-Approved Vegan (que garante que o produto é vegano) e Carbonext (certificação de carbono negativo, que significa compensar o dobro das emissões de carbono vinculadas à operação).
“Também gosto da Not Milk, uma marca de leite vegetal, pela proposta de substituir produtos de origem animal como resposta ao impacto ambiental gerado pela indústria pecuária”, diz.
Dados do Departamento de Produção Vegetal da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP (Universidade de São Paulo), apontam que, no Brasil, 85% das terras são dedicadas à produção de soja e milho, sendo que a maior parte disso é destinado à ração animal.
No mundo, o levantamento apontou que 70% da geração Z estão envolvidos em uma causa social ou política. No Brasil, 92% dos entrevistados entre 14 e 26 anos afirmam ter inquietações relativas à segurança, saúde, finanças e conexões sociais -um percentual muito superior ao global, de 56%.
Mídia social perde força em todo o mundo como epicentro de mudanças
Embora muito dessa inquietação seja levada e discutida nas redes sociais, a pesquisa da Edelman apontou uma desaceleração, em nível global, na confiança deste canal como “epicentro de mudanças na sociedade”.
Considerando os brasileiros de todas as faixas etárias, que postam ou criam conteúdo online regularmente, 74% veem as mídias sociais como uma forma de mudar o mundo -no levantamento de 2018, este índice era de 78%. O país é, depois da África do Sul, o que mais aposta nas mídias sociais como um canal para incentivar mudanças de comportamento.
“Mas em todo o mundo, o que vemos, comparando os números de 2018 e 2022, é um pé atrás nesta aposta nas redes sociais, como se elas fossem perdendo um pouco o encanto, justamente pela quantidade de notícias falsas e discursos distorcidos que estão presentes nestes meios”, diz Marcília.
Na comparação entre os dois levantamentos, o Japão aparece como o menos entusiasmado nas mídias sociais como epicentro de mudanças (43% da população têm esta opinião agora, frente a 68% de 2018).
O estudo apontou que a geração Z também gera influência sobre as demais. Considerando brasileiros de todas as faixas etárias, 62% acreditam que adolescentes e jovens os influenciam no que compram e 59% na sua mudança de comportamento. Marcília, da Edelman, é um exemplo.
“Minha filha Nina, de 18 anos, gosta muito de moda e, ao mesmo tempo, tem uma grande preocupação com a origem dos produtos”, conta Marcília. “Ela me instruiu a baixar um aplicativo, o Moda Livre, que indica o quanto as marcas de vestuário estão comprometidas com o combate ao trabalho escravo. Agora, me baseio por ali para decidir compras.” (FolhaPress)