Em Lviv, terceiro maior centro urbano e principal cidade do oeste ucraniano, a energia que havia sido restaurada ao longo da madrugada caiu novamente após mísseis de cruzeiro terem atingido uma estação elétrica.
IGOR GIELOW (FOLHAPRESS) – A Rússia prosseguiu alvejando a infraestrutura energética da Ucrânia nesta terça (11), embora com menor intensidade e aparente uso de armamento menos sofisticado após o ataque maciço da véspera, quando mais de 80 mísseis foram disparados contra cidades em todo o país.
Ao mesmo tempo em que aperta o torniquete com táticas mais destrutivas, Moscou também quis demonstrar abertura. O chanceler Serguei Lavrov afirmou à TV estatal que o presidente Vladimir Putin poderia se reunir com o americano Joe Biden na reunião do G20 na Indonésia, em novembro, se Washington fizesse o convite.
Dado o grau de animosidade entre os países, uma cúpula do tipo seria uma vitória política imensa para Putin, que costuma manipular bem esses encontros, como fez com Biden em Genebra no ano passado, então parece algo distante da realidade.
Na Ucrânia, os ataques continuam. Em Lviv, terceiro maior centro urbano e principal cidade do oeste ucraniano, a energia que havia sido restaurada ao longo da madrugada caiu novamente após mísseis de cruzeiro terem atingido uma estação elétrica.
Houve três explosões. “Como resultado, 30% de Lviv está sem eletricidade”, disse em sua conta no Telegram o prefeito local, Andrii Sadovii. A cidade, junto à fronteira da membro da Otan Polônia, é considerado um dos pontos mais seguros do país depois que a guerra se concentrou no leste e no sul.
Mas a ação em Lviv parece ter sido uma exceção, em termos de precisão, até por sua distância dos pontos de disparo –navios no mar Negro e bombardeiros em espaço aéreo russo. Em Vinnitsia, um pouco mais ao sul da cidade, uma central termelétrica foi atingida por dois drones kamikazes Shahed-136, feitos no Irã.
São armas bem menos sofisticadas e muito mais baratas do que um míssil de cruzeiro Kalibr, por exemplo: um drone sai por cerca de US$ 20 mil, enquanto o míssil custa US$ 6,5 milhões. Um modelo de cruzeiro Kh-101, US$ 13 milhões. E o efeito, ainda que com maior risco para civis devido à baixa precisão, pode ser semelhante.
Outro ponto é a disponibilidade, de resto um problema também para os ocidentais que armam Kiev. Os modelos com guiagem por satélite, que acompanham o terreno a baixa altitude, dependem de chips mais avançados em seus sistemas –e o embargo vigente contra a indústria russa como um todo desde fevereiro dificulta as coisas.
A Ucrânia disse que os russos dispararam 3.500 mísseis de diversos tipos até agosto, o que não é verificável, e analistas ocidentais dizem que até 70% do estoque daqueles sofisticados foi usado. É um chute, mas o uso mais intensivo de drones pode no mínimo indicar a necessidade de economizar recursos.
Outro sinal disso foi, já no mês passado, o deslocamento de baterias antiaéreas S-300 mais antigas de regiões como São Petersburgo para o inusual emprego como lançadores de mísseis quase balísticos, para atingir alvos no solo.
Isso já foi testado na Síria pelos russos e em um exercício com Belarus no ano passado. Assumindo o uso de mísseis mais obsoletos do antigo arsenal soviético, dos quais há grande estoque, o custo estimado é baixo, na casa de dezenas ou centenas de milhares de dólares.
Segundo a prefeitura de Zaporíjia, a capital da província homônima que foi uma das quatro anexadas por Putin no dia 30 passado, mas que nunca chegou a ser conquistada, 12 mísseis do tipo caíram sobre a cidade nesta manhã de terça (madrugada no Brasil).
Seja como for, a guerra evolui para uma nova fase, cuja sustentabilidade é discutível. Blogueiros militares russos especulam que os ataques são algo mais do que uma resposta política à pressão da linha dura após as derrotas recentes de Moscou e, principalmente, ao simbólico ataque à ponte que liga o país à Crimeia, anexada em 2014 e no centro do conflito com Kiev.
Segundo eles, a Rússia pode estar querendo ganhar tempo para rearranjar suas forças com a mobilização de até 300 mil reservistas decretada há duas semanas por Vladimir Putin. Ninguém sabe em quanto tempo as tropas poderão fazer alguma diferença em campo, e se farão, mas é uma aposta.
Seja como for, a mudança tática está sendo atribuída à nomeação de Serguei Surovikin como comandante unificado das operações na Ucrânia. O cargo nunca havia sido reconhecido oficialmente, levando todas as críticas pela má condução da guerra diretamente à mesa do ministro Seguei Choigu (Defesa) e de Putin.
Suroviki, o “general Armagedom” como é apelidado na mídia britânica, é visto como um eficaz mas brutal comandante em campo -suas ações na segunda guerra da Tchetchênia e na Síria ficaram notórias.
Mas esses mesmos blogueiros militares questionam se ele não foi um espantalho colocado para atemorizar o Ocidente, que vem discutindo o risco do emprego de armas nucleares de baixa potência pela Rússia, e ao mesmo tempo agradar a linha dura.
O tempo e as condições objetivas dirão. Por ora, é clara a reorientação, com a mídia estatal russa falando abertamente em destruir a infraestrutura civil do vizinho –antes o discurso era edulcorado com objetivos militares, mas apenas isso: o ministério do setor em Kiev contabiliza 4.000 alvos do tipo destruídos na guerra desde fevereiro.
Houve novas condenações. “Alguns dos ataques parecem ter como alvo a infraestrutura civil crítica, indicando que eles podem ter violado os princípios de condução das hostilidades sob a lei humanitária internacional”, afirmou a porta-voz do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, Ravina Shamdasani, passando perto de apontar crimes de guerra.