A decisão atendeu a um pedido da AGU (Advocacia-Geral da União), que solicitou ao STF a suspensão apenas dos fatores de ajuste, mas não da alíquota em si
RIO DE JANEIRO, RJ, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A liminar obtida pelo governo federal contra a manobra dos estados para regulamentar a nova lei do ICMS dos combustíveis tornou-se o centro do novo cabo de guerra entre a União e governadores sobre o tema.
De um lado, governos estaduais e distribuidoras de combustíveis alertam para o risco de a decisão judicial de suspender a aplicação dos descontos aplicados pelos estados sobre a alíquota máxima de R$ 1,006 por litro sobre o diesel surtir efeito contrário ao desejado, elevando o preço do combustível nas bombas.
De outro, o governo federal quer usar a decisão para forçar uma mudança no convênio do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) que estabeleceu a alíquota uniforme. O Ministério da Economia, que preside o colegiado, convocou uma reunião extraordinária para esta quinta-feira (19) a fim de debater o tema com os estados.
Concedida pelo ministro André Mendonça, do STF (Supremo Tribunal Federal), na sexta-feira (13), a liminar gerou uma confusão de interpretações que até agora só não evoluiu para uma dificuldade operacional porque as novas alíquotas entram em vigor só em 1º de julho, quando termina o congelamento do ICMS iniciado em setembro de 2021
Mendonça derrubou o chamado “fator de equalização”, que permitia que os estados dessem descontos sobre a alíquota máxima de R$ 1,006 por litro estabelecida em convênio do Confaz. Assim, estados e executivos do setor entendem que essa será a alíquota única.
A decisão atendeu a um pedido da AGU (Advocacia-Geral da União), que solicitou ao STF a suspensão apenas dos fatores de ajuste, mas não da alíquota em si.
Como a maior parte dos estados pratica valores menores, a adoção dessa alíquota representaria aumento da carga tributária média sobre o combustível, que bateu na semana passada recorde histórico ao atingir o preço médio de R$ 6,847 por litro.
Em São Paulo, por exemplo, a alíquota com desconto seria de R$ 0,6597 por litro, equivalente à cobrada hoje no estado. Assim, o uso da alíquota máxima prevista no convênio representaria um aumento de R$ 0,3463 por litro.
O Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários da Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal) estima, em nota técnica, que a alta média possa ultrapassar R$ 0,20 por litro em algumas regiões, caso a decisão seja mantida.
Segundo integrantes do governo, a AGU foi alertada sobre o risco de pedir a suspensão apenas dos descontos, sem questionar a alíquota. No entanto, o órgão jurídico do governo tem um entendimento de que a decisão do ministro André Mendonça leva os estados a rediscutir o convênio.
De acordo com fontes a par das discussões, a intenção da Economia é que os governos estaduais substituam a alíquota máxima de R$ 1,006 por litro do diesel por uma alíquota ad valorem (porcentual sobre o preço) calculada sobre a média dos preços dos últimos 60 meses.
Essa é exatamente a regra de transição incluída pelo Congresso para vigorar em 2022, caso os estados não tivessem agilizado a regulamentação da lei.
Representantes dos estados alegam que não há mais sentido em falar em período de transição, pois o Confaz já publicou convênio com as regras definitivas do setor. O texto diz que a média seria aplicada “enquanto não disciplinada a incidência do ICMS nos termos dessa lei”.
Caso não haja avanço, a AGU também está sendo aconselhada a aditar o pedido feito ao STF para incluir a suspensão da alíquota em si.
Os governos estaduais sempre resistiram à unificação do ICMS, como prevê a lei, alegando que a medida representa perda de arrecadação nos estados que têm alíquota mais alta ao mesmo tempo em que aumenta o preço dos combustíveis naqueles com carga tributária menor.
Em um esforço para tentar conter a escalada dos preços, porém, o governo Jair Bolsonaro patrocinou o debate no Congresso, incluindo a cláusula da transição, que teria efeito imediato sobre os preços ao reduzir a carga tributária à média dos últimos 60 meses.
O fator de equalização foi a saída encontrada pelos estados para evitar a unificação das alíquotas, estabelecendo um valor equivalente ao ICMS mais caro do Brasil, cobrado no Acre, e liberando as secretarias de Fazenda a conceder descontos.
Pela nova regra, o ICMS passa a ser cobrado em reais por litro, em vez de uma alíquota percentual sobre um preço de referência calculado pelas secretarias de Fazenda, como é hoje. Passa também a ser cobrado apenas no produtor, não mais em todas as etapas da cadeia.
A mudança é defendida há tempos pelo setor de combustíveis, que vê na simplificação do ICMS um reforço na luta contra fraudes tributárias, como a venda em outros estados de produtos comprados com imposto mais barato.
Apoiador da mudança no ICMS, o IBP (Instituto Brasileiro do Petróleo e Gás) tem a avaliação de que a adoção da maior alíquota pelos estados contraria artigo da lei que impede o aumento da carga tributária média sobre o combustível.
“A gente tem que ler a lei como um todo”, diz a diretora de Downstream do IBP, Valéria Lima, citando o parágrafo 5 do artigo 6, que determina “que não haja ampliação do peso proporcional do tributo na formação do preços”.
Segundo ela, a alíquota média sobre o diesel hoje é de R$ 0,69 por litro. Lima questiona a resistência dos estados em adotar a média de 60 meses estabelecida pela lei, alegando que o governo federal já deu sua contribuição ao zerar as alíquotas de PIS/Cofins sobre o diesel.
“Os estados têm sido sócios do aumento dos combustíveis”, afirma, lembrando que a arrecadação de ICMS sobre esses produtos subiu 41% no primeiro trimestre. O IBP calcula que, com a alíquota média de 60 meses, equivalente a R$ 0,61 por litro, a alta teria sido de 6%.
A própria AGU pediu a Mendonça respeito também à cláusula da lei que impede a elevação da carga tributária média sobre os combustíveis, o que os estados dizem ser inviável sem o fator de equalização.
Em nota técnica sobre a liminar, o Comsefaz diz que o aumento médio do ICMS sobre o diesel “não é pretendido por nenhum Estado ou pelo DF [Distrito Federal]” e pede ao Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal que solicite o julgamento do tema pelo plenário do STF.