Índice evidencia dificuldade da população em manter as contas ajustadas diante da inflação crescente e a consequente desvalorização da moeda
Cerca de 49% dos brasileiros estavam com dívidas em aberto no cartão de crédito no último mês de abril – 4% a mais que no mesmo período do ano passado. Juntamente com a inflação e a consequente desvalorização do Real, são tempos difíceis para manter as contas em dia e equilibradas para boa parcela dos brasileiros, sendo uma das soluções fazer as compras no cartão de crédito, aumentando os riscos de inadimplência – que é o atraso para quitar as contas.
Os dados foram levantados na pesquisa “O Bolso do Brasileiro – 2022”, realizada pela Hibou, empresa especializada em pesquisa e monitoramento de mercado e consumo.
Quanto ao pagamento das contas do cartão de crédito, notou-se que o valor gasto nas contas também foi maior para 36% dos entrevistados. No levantamento, 37% conseguiram manter a mesma média de gastos no cartão que no início do ano, e outros 28% chegaram a diminuir os custos nas compras na modalidade. Segundo as estatísticas, 27% das pessoas entrevistadas também tiveram redução na renda em casa, o que pode ter levado muitas a recorrer ao cartão de crédito.
Os gastos que mais impactaram negativamente na renda familiar foram, em ordem de magnitude, o combustível, correspondendo 63% das respostas dos entrevistados; carnes, com 55%; cesta básica, com 34%; itens de farmácia, com 29%; planos de saúde, com 23%; e outros 13% tanto para a manutenção com o carro próprio quanto no aluguel das residências.
Além das dívidas feitas com o cartão de crédito, o brasileiro também se comprometeu em outras modalidades. Nesse sentido, segundo o levantamento, 34% dos entrevistados estão com boletos em atraso, e outros 20% utilizaram o cheque especial para arcar com as despesas. Cerca de 16% precisam lidar ainda com o atraso no IPTU e IPVA.
Para piorar, em 13% das famílias dos entrevistados, algum familiar perdeu o emprego, reduzindo ainda mais a renda da casa, dificultando a administração das contas residenciais. De acordo com a pesquisa, 3 em cada 10 pessoas estão com contas básicas de moradia com atrasos nos pagamento, tais como água, luz, telefone e gás. Em relação a 2021, neste aspecto, houve um aumento de 16% dos endividados, passando para 33% neste último mês de abril.
Reorganizando as finanças
Visto que o nível de endividamento dos brasileiros tem aumentado, e levando em consideração que cada situação familiar é um caso em particular, o economista e educador financeiro da Universidade de Brasília, professor Roberto Bocaccio Piscitelli destaca algumas atitudes que podem ajudar na reorganização das contas e aliviar a situação financeira familiar dos brasileiros.
“O pressuposto para aliviar a situação financeira é se reorganizar. Conhecer o orçamento e fazer uma verificação dos gastos com a possibilidade de cortar certas despesas dispensáveis e que podem ser adiadas é um bom começo. É preciso estabelecer prioridades e limitar o padrão de vida caso seja necessário”, afirmou o especialista.
O professor explica que parte de tantos endividamentos são também as taxas de desemprego elevadas, além da renda real dos trabalhadores ter caído, o que é consequência do processo inflacionário que se agravou nos últimos meses. Existem, portanto, menores possibilidades da população solucionar as suas dificuldades financeiras a curto prazo.
“Há um empobrecimento geral da população, com uma queda da renda real média, além de empregos precários ou parciais, com a inflação comendo pelas beiradas. As pessoas estão com o poder de compra menor – a inflação faz com que o orçamento apresente maiores déficits. Com os juros elevados, para resolver as dívidas, é preciso comprometer ainda mais da renda familiar, então estão sobrando menos recursos”, salientou Roberto.
Conforme divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última quarta-feira (11), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cresceu 1,06% no último mês de abril, chegando a 12,13% no somatório dos últimos 12 meses. Em abril de 2021, o valor de aumento no mesmo índice foi de 0,31%. Esse é o maior crescimento para o mês desde 1996, quando o índice chegou a 1,3%.
Uma das possibilidades exemplificadas pelo professor Roberto é de ter as dívidas organizadas em ordem de prioridade. “Provavelmente não será possível quitá-las a curto prazo de uma vez, mas é bom tentar ter um abrandamento das condições em que as dívidas estão propostas, tentando negociar remanejamentos de prazos e passando por um processo de parcelamento”, disse.
“Deve-se procurar pegar primeiro as dívidas mais onerosas, que tenham os juros mais elevados. Normalmente são as dívidas com o cheque especial e cartões de crédito. [Mas] o cheque especial é o pior de todos, que tem os encargos mais elevados. Eles são exclusivos para situações emergenciais quando se tem certeza que vai conseguir pagar no futuro próximo”, ressaltou o professor.
Na situação difícil em que se encontram as famílias, Roberto aconselha ter uma boa conversa em família para explicar a situação, a fim de que todos se empenhem em resolver o problema da dívida. Sendo assim, em comum acordo, são boas opções evitar comer fora de casa, se privar de diversões noturnas e administrar melhor a própria economia doméstica, sendo mais seletivo e exigente na hora das compras de supermercado e outras necessidades.
“Não é fácil, mas é sempre possível reduzir ou eliminar algum tipo de despesa que ela nem se dá conta. Vaidade, etc. É bom que conheça o próprio orçamento para encontrar alguns vazamentos nas contas. […] Comprimir as rendas e mudar os hábitos são desafios difíceis, mas são circunstâncias momentâneas às vezes necessárias [para sair do endividamento]”, explicou.
Caso seja viável, outra alternativa é tentar aumentar a renda familiar, com algum trabalho extra ou se desfazendo de algum bem, a fim de angariar recursos maiores pelo menos em uma perspectiva imediata e de curto prazo.
Por Vítor Mendonça/JBr