Vereador tinha pedido afastamento no final de abril. Partido disse que solicitação equivale a expulsão e tomou medida nesta quarta (4). Na terça (3), CPI da Câmara Municipal de SP foi interrompida por conta de frase racista dita por Cristófaro no microfone.
O PSB de São Paulo desfiliou o vereador Camilo Cristófaro da legenda. O processo já tinha sido aberto pelo próprio vereador, que havia solicitado afastamento em 28 de abril, mas ainda estava em negociação.
Entretanto, após a fala racista de Cristófaro durante CPI, o partido decidiu aceitar a solicitação. Segundo o partido, o pedido equivale a uma expulsão e foi tomado em comum acordo com as principais lideranças da legenda.
“No primeiro momento, a ideia era abrir o processo no Conselho de Ética para garantir o direto de defesa. Mas houve uma cobrança interna muito forte de membros do partido exigindo uma solução mais rápida. O próprio Camilo mandou uma carta no dia 28 de abril em pede o afastamento, e nela ele cita um artigo da Constituição que permite o desligamento com a anuência da direção do partido. Então aceitamos essa desfiliação. E juridicamente ela equivale ao processo de expulsão, então ele não faz mais parte do quadro do partido”, disse ao g1 Jonas Donizette, presidente estadual do PSB.
“A gente tomou essa decisão porque a reação foi muito forte. Temos uma negritude muito forte dentro do partido. O Márcio França [pré-candidato a governador] e a Tábata Amaral [presidente do diretório municipal do PSB] também falaram comigo sobre isso, foi um entendimento do partido como um todo”, completou.
Em nota, a executiva municipal afirmou que “falas e ações racistas devem ser responsabilizadas com seriedade”.
“Como um partido que luta por justiça social e igualdade de oportunidades, é dever do PSB exigir que os seus quadros atuem de forma coerente. Falas e ações racistas devem ser responsabilizadas com seriedade. Só assim garantiremos um ambiente mais justo e menos violento na política e, consequentemente, na sociedade como um todo”, diz o texto.
Fala racista
O comentário ocorreu durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as empresas de aplicativo na Câmara Municipal de São Paulo.
Os trabalhos foram interrompidos temporariamente após o microfone do vereador Camilo Cristófaro (PSB) ter vazado no plenário dizendo a frase “é coisa de preto” na frente dos outros parlamentares.
O flagrante aconteceu no início da sessão que ouviu a ex-CEO da empresa Uber, Claudia Woods, e o sócio da empresa de motofrete THL, Thiago Henrique Lima.
“Não lavar a calçada…é coisa de preto, né?”, disse o áudio vazado no plenário (ouça acima).
Camilo Cristófaro não estava presente na Câmara durante a fala, mas participava da sessão de forma remota, através de videoconferência.
A imagem dele não apareceu no painel do plenário durante o vazamento do áudio, mas a Mesa que dirigia os trabalhos confirmou que ele já estava plugado e participando da sessão.
O vereador admitiu que a voz é dele e deu duas versões diferentes para a frase. Primeiro, disse que falava sobre carros. Depois, que se dirigia a um amigo.
Após o ocorrido, o presidente da CPI, Adilson Amadeu (União Brasil), suspendeu os trabalhos por cinco minutos para deliberar internamente sobre o impacto da frase.
Na retomada dos trabalhos, a vereadora Luana Alves (PSOL), que é negra, declarou que Cristófaro foi “extremamente racista”.
“Infelizmente nós temos a sessão completamente tumultuada por um áudio que tem a voz do vereador Camilo Cristófaro, que acaba de proferir uma frase extremamente racista. Eu queria não acreditar que essa fala existiu, mas infelizmente existiu. Conversamos ali atrás, queria pedir à secretaria da Mesa das notas taquigráficas. Ficará registrado. Ficou acordado que todos aqui são testemunhas para todas as ações que venham a ocorrer se ficar comprovado que é do vereador Camilo Cristófaro, como parece ser”, disse Luana Alves.
Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram um aumento significativo dos processos de racismo abertos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2018 e 2020. Em 2018, a Justiça paulista abriu 20 processos por racismo no estado. No ano seguinte, o número saltou para 254 e, em 2020, chegou a 269.
Investigação e repercussão
O gabinete da vereadora Luana Alves afirma que entrará com representação na Corregedoria para que Cistófao seja investigado pela Casa por ato de racismo.
A vereadora Elaine Minero, do Mandato Coletivo Quilombo Periférico do PSOL, também afirmou que “tomará as ações necessárias para a atitude racista do vereador não fique impune”.
O presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), lamentou com “indignação imensa” a fala do vereador e disse que o caso será apurado pela Corregedoria.
“É com uma indignação imensa que lamento mais uma denúncia de episódio racista dentro da Câmara de Vereadores de São Paulo, local democrático, livre e que acolhe a todos. Como negro e presidente da Câmara tenho lutado com todas as forças contra o racismo, crime que insiste em ser cometido dentro de uma Casa de Leis e fora dela também. O caso será apurado pela Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo”, disse em nota.
O que disse o vereador
O g1 procurou o gabinete do vereador do PSB e não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.
Cristófaro apresentou duas versões diferentes para a frase. Ao justificar a fala para os colegas vereadores, o parlamentar afirmou, na primeira versão, gravada em vídeo por volta de 11h20 e enviada aos colegas da Câmara por What’sApp, que se referia a “carros pretos que são f… e não é fácil para cuidar da pintura”.
No vídeo, ele reconhece o áudio, mostra o chão molhado da loja e diz que se referia ao lugar.
“São 11h20 da manhã e estou fazendo uma gravação aqui. Estou dizendo exatamente que esses carros pretos dão trabalho. Que os carros pretos são f… Estou dizendo aqui que não é fácil para cuidar da pintura. Então, se a vereadora Luana olhou pro outro lado, 70% das pessoas que me acompanham, vereadora, são negros. Então, a senhora não vêm com conversa. Olha só, estão lavando aqui, oh. Estou dizendo que carro preto dá trabalho, que carro preto é f… dão mais trabalho para polir. Se a senhora quer levar para outro lado, pra fazer campanha política, nas minhas costas não vai fazer” (veja abaixo).
Mais tarde, às 14h, ao participar do Colégio de Líderes da Câmara com outros parlamentares, ele deu uma nova versão do caso, dizendo que estava conversando com um colega negro, de nome Anderson Chuchu, que é considerado um irmão para ele e quem o vereador tem muita intimidade.
“Eu ia gravar um programa que não foi gravado lá no meu galpão de carros. Eu estava com o Chuchu, que é o chefe de gabinete da Sub do Ipiranga, e [ele] é negro. Eu comentei com ele, que estava lá. Inclusive no domingo nós fizemos uma limpeza e quando eu cheguei eu falei: ‘isso aí é coisa de preto, né?’. Falei pro [Anderson] Chuchu, como irmão, porque ele é meu irmão”, afirmou o vereador.
“Se eu errei é porque eu tenho essa intimidade com ele, porque ele me chama de carequinha, ele me chama de ‘veínho’. Nós temos essa intimidade. Ele é um irmão meu”, completou
Histórico de brigas de Cristófaro
O vereador Camilo Cristófaro (PSB) é figura frequente nas confusões da Câmara Municipal. Em março, ele ingressou com uma representação na Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo contra o colega Adilson Amadeu (União Brasil) após os dois se xingarem no grupo de WhatsApp dos vereadores.
Na representação, Cristófaro acusa o colega de conduta ofensiva. A briga entre os dois parlamentares ocorreu na noite de 5 de março, após uma discussão sobre a atuação de parlamentares na chamada Feirinha da Madrugada, área de comércio popular no Brás, no Centro de São Paulo.
No grupo, Cristófaro insinuou que Adilson Amadeu é “sócio da Feirinha da Madrugada”, segundo prints que o g1teve acesso através de outros vereadores que fazem parte do grupo.
Amadeu rebateu e acusou o colega de “cuspir no prato que comeu” e “FDP”.
“Já estou te processando por você ter ofendido a minha família”, declarou Adilson Amadeu, que ameaçou” quebrar a cara” do colega.
“Você é doente. Precisa se tratar. Minha mãe está morta. Tenho caráter. Tenho palavra. Tenho vergonha na cara. Tenho família. Minha mãe está morta”, respondeu o vereador do PSB.
Por meio de nota, o vereador Adilson Amadeu afirmou que a ação ainda está em fase de admissibilidade na Corregedoria, mas ele está “tranquilo e fará a defesa baseada nos autos da representação, caso ela realmente prospere”.
“Me entristece saber que, diante de assuntos extremamente mais relevantes, o colega parlamentar despenda tempo valioso da Corregedoria, com uma série de outras questões mais importantes pela frente, além do uso de dinheiro público para tentar novamente ganhar holofotes em cima de meu nome”, disse Amadeu.
“Durante a campanha de 2020, o parlamentar já havia agredido a honra de minha família, para tentar polarizar em cima da minha candidatura. Não sou o primeiro e tampouco serei o último pelo visto. Não é de hoje que esse tipo de atitude lastimável se faz presente. Já tivemos ao menos três outros colegas que foram agredidos verbalmente pelo mesmo parlamentar, casos da hoje deputada Isa Penna e dos vereadores George Hato e Aurélio Nomura?, completou o vereador.
Na época do caso, o g1 também procurou a assessoria de imprensa de Camilo Cristófaro, mas não obteve retorno.
Vereador briguento
Em 14 de março, uma mulher registrou boletim de ocorrência contra Camilo Cristófaro após ser agredida verbalmente por ele ao reclamar de enchentes na Zona Sul de São Paulo.
A confusão ocorreu durante visita de Ricardo Nunes (MDB) ao Sacomã. Ao falar com o prefeito sobre a situação do bairro, a assistente social disse que foi xingada e arrastada pelo braço por Cristófaro.
Ela registrou de ocorrência por injúria no 26º DP do Sacomã. O vereador afirmou que o caso é fruto de disputa de políticos da região.
Em junho de 2017, Cristófaro já havia protagonizado um bate-boca que terminou em agressão física a um assessor parlamentar do vereador Eduardo Suplicy (PT), que teve o celular arrancado da mão após a discussão. (Com g1)