Altas taxas de desemprego fizeram disparar o número de profissionais da categoria, que segue sem direitos
A ascensão dos aplicativos de entrega e de transporte individual criou uma classe de trabalhadores “autônomos” que rodam todos os dias pelas estradas do país. A fim de driblar o desemprego, esses profissionais encaram a insegurança das ruas e a falta de suporte enquanto a inflação sobe. Com o fechamento de bares e restaurantes por conta da pandemia, a demanda por esses trabalhadores nos últimos dois anos aumentou. Além disso, o temor do contágio nos transportes coletivos ajudou a aquecer a procura por carros individuais.
O número de brasileiros que trabalham para aplicativos de entrega de mercadorias cresceu 979,8% entre 2016 e 2021, apontou o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na categoria dos profissionais que trabalham com transporte de passageiros, o crescimento foi de 37% no mesmo período, de 840 mil, em 2016, para 1 milhão, em 2018, e chegando ao terceiro trimestre de 2019, a 1,3 milhão de pessoas.
Atualmente, pelo menos 1,4 milhão de brasileiros têm como fonte de renda o transporte de passageiros por aplicativos, apontou o Ipea. Esse quadro em meio a crise fez com que o trabalho nos aplicativos fosse procurado, tanto para complementar quanto para reaver uma fonte de renda. Em 2020, a taxa de desocupação caiu 14,2%, para 11,1% em 2021, fechando o ano anterior com 12 milhões de pessoas sem uma ocupação com carteira assinada, apontou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, nota um paralelo entre o desemprego e a aderência dos trabalhadores pelos aplicativos, principalmente quando se olha aqueles com alto grau de escolaridade.
“Existe essa forma de se manter tendo renda utilizando seu ativo [carro, bicicleta e moto]”, disse. “Este é um paliativo para um emprego com carteira assinada. O país tem um problema de desemprego desde a grande recessão [2014-2016] e aumentou com a pandemia”, afirmou. Neri observou que há ainda o agravante do aumento do preço da gasolina, no geral: “um choque adverso no curto prazo”.
Essa “nova profissão” também abriu ampla discussão no direito trabalhista, já que o prestador de serviço fica subordinado a um algoritmo, como explica o advogado trabalhista Domingos Sávio Zainaghi. “Ele [trabalhador] tem uma liberdade e uma certa subordinação.
Para o direito, é uma situação nova. Não existe unanimidade. A avaliação que os usuários fazem do motorista dão esse vínculo, já que uma péssima avaliação pode acarretar punições e só quem pode aplicar punição é o patrão. Quem pune é a empresa e não o usuário, e por isso, estamos diante de uma relação de trabalho”, disse. “É uma zona cinzenta”, observou.
De acordo com Camilo Onoda Caldas, advogado trabalhista e sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, os direitos dos entregadores por aplicativos são discutidos mundialmente. “Não há dúvida que diversas críticas surgem contra este modelo de negócio e outros semelhantes, tanto que a expressão ‘uberização’ se tornou sinônimo de precarização do trabalho”, explicou.
“O Legislativo precisa se posicionar sobre esse tema, definindo claramente se os trabalhadores de aplicativos são ou não empregados e estabelecendo direitos”, reiterou.