Com apoio de 27 senadores, comissão poderá apurar cobrança de propina e licitação com preço inflado na educação
Por Julia Affonso, Breno Pires e André Shalders, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O Senado já tem o número de assinaturas exigidos para criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar corrupção no Ministério da Educação, segundo o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor do pedido. O requerimento de abertura da CPI do MEC recebeu apoio de 27 senadores. Agora, a abertura da comissão depende de decisão do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Caso ele se recuse a criar a comissão, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode ser acionado para garantir a investigação parlamentar.
A 27ª assinatura foi do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). “São fatos de altíssimas gravidades que carecem de todos os meios investigativos. Causou perplexidade as possíveis práticas engendradas para beneficiamentos ilegais com recursos públicos”, disse o senador ao Estadão.
Randolfe afirma que os fatos “são gravíssimos e merecem ser rapidamente apurados pelo Senado”. “O fato de o governo federal aparentemente priorizar prefeituras cujos pedidos de liberação de verba foram negociados por dois pastores que não têm cargo e atuam em um esquema informal de obtenção de verbas do MEC é um acinte dentro de um Estado que se diga republicano e de Direito, que não deveria guardar preferências senão aquelas puramente apontadas pela técnica e pelo melhor interesse público”, observou o parlamentar.
Na proposta de abertura da CPI, apresentada na semana passada, Randolfe afirmou serem necessários “11 membros titulares e 11 membros suplentes, para, no prazo de 90 dias, com limite de despesas de R$ 90 mil, apurar as irregularidades e crimes praticados na destinação das verbas públicas do Ministério da Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”.
A atuação de um gabinete paralelo operado pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura no MEC, envolvendo até mesmo cobrança de propina para liberação de recursos do FNDE para escolas, foi revelada pelo Estadão. Prefeitos relataram que os religiosos pediam contrapartida em ouro, dinheiro e até compra de Bíblias.
A Comissão de Educação do Senado tem ouvido depoimentos sobre o caso. Três prefeitos confirmaram aos parlamentares a cobrança de propina. Nesta quinta-feira, 7, o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, foi ouvido pelos senadores sobre o risco de sobrepreço de R$ 732 milhões em um pregão para compra de ônibus escolares. O caso foi revelado pelo Estadão.
Governo tenta barrar coleta de assinaturas
Ontem, o governo deflagrou uma operação para tentar impedir o mínimo de assinaturas para instauração da CPI. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, procurou senadores para barrar a coleta de assinaturas pró-CPI. Ciro, que é senador licenciado e hoje tem poder para liberar recursos do Orçamento a parlamentares, está diretamente ligado à distribuição.
O presidente da Comissão de Educação no Senado, Marcelo Castro (MDB-PI), que conduziu sessões em que três prefeitos confirmaram ter recebido cobrança de propina para ter acesso a recursos do MEC, estava entre os que defendiam apuração do caso. Mudou o discurso, e agora, mesmo diante dos relatos, diz que vai “analisar a possibilidade” só após ouvir o novo ministro da Educação.
O senador Alvaro Dias (Podemos-PR), que costuma apoiar investigações, também não quis aderir ao movimento. Alegou que não quer dar palanque eleitoral para oposição. O senador Carlos Viana (PL-MG), indicado para assumir a liderança do governo no Senado, foi na mesma linha. “Eu não acredito que a gente prospere com as assinaturas ou mesmo que a gente vá se instalar uma CPI em ano eleitoral”.
Ontem à noite, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou mais uma vez incômodo com escândalo da licitação com indicação de sobrepreço para aquisição de ônibus escolares. No dia nacional dos jornalistas, criticou o trabalho da imprensa. “Investigativo pipoca nenhuma, rapaz. Bando de sem vergonha jornalistas. Não investigam nada”, declarou em transmissão ao vivo em suas redes sociais.
Bolsonaro repetiu o discurso de que foi o governo, e não a imprensa, quem descobriu as irregularidades na licitação, o que é uma inverdade. Mesmo diante de alertas de órgãos de controle, o governo manteve o leilão com preços elevados e só reduziu no dia 4, após divulgação do caso pelo Estadão. “Deixa acontecer a licitação, pô”, disse, referindo-se ao pregão dos ônibus.
Ouro
A proposta de CPI envolve a investigação do caso de cobrança de propina em ouro e disfarçada por meio da compra de bíblias patrocinadas pelos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. A comissão também foi proposta para apurar a licitação para compra de 3.850 ônibus escolares. Como revelou o Estadão, a concorrência foi elaborada com indicação de sobrepreço de mais de R$ 700 milhões. A licitação está embargada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Veja quem assinou o requerimento pela abertura da CPI:
- Randolfe Rodrigues
- Paulo Paim
- Humberto Costa
- Renan Calheiros
- Styvenson Valentim
- Fabiano Contarato
- Jorge Kajuru
- Zenaide Maia
- Paulo Rocha
- Omar Aziz
- Rogério Carvalho
- Reguffe
- Leila Barros
- Jean Paul Prates
- Jaques Wagner
- Eliziane Gama
- Tasso Jereissati
- Cid Gomes
- Alessandro Vieira
- Weverton Rocha
- Dario Berger
- Simone Tebet
- Mara Gabrilli
- Oriovisto Guimarães
- Jader Barbalho
- Nilda Gondim
- Veneziano Vital do Rêgo.
Com Estadão