Frutuoso Chaves
Longe de desculpar o sujeito, um animal abjeto, um predador à caça de presas fragilizadas pela guerra e suas desgraças, em meio a estas o desamparo e a orfandade.
Longe disso, até porque as meninas da Ucrânia não são os únicos seres humanos na mira desse tipo de gente. Somem-se a elas as mulheres pobres de todos os Continentes em tempo de guerra, ou de paz. E, assim também, todos os filhos da miséria sem distinção de raça, gênero e credo. Estes últimos, desgraçados e indefesos, não são menos explorados, individual e coletivamente.
Mas, a ação predatória do moço que em áudio vazado para o estupor da Nação sugere à sua turma o roteiro criminoso do turismo sexual no Leste Europeu não é uma exclusividade sua. Nem constitui novidade.
A história, desgraçadamente, tem registrado a iniquidade em tom e amplitude até mais grave pois cometida, institucionalmente, para o riso e a satisfação da soldadesca no teatro das guerras. De quando em quando, o insulto, o deboche e a humilhação dos povos mais humildes têm, de fato, a magnitude dos exércitos.
No início de 1940, as Irmãs Andrew, o trio que percorria as bases americanas no palco da 2ª Guerra Mundial, aconselhava às tropas uma visita a Trinidade. “Rum and Coca-Cola”, a música mais aplaudida, recomendava que, além desse coquetel, a rapaziada ali desfrutasse dos favores das belas caribenhas, mães e filhas, em busca de dólares.
Eis o refrão em tradução livre: “Bebendo rum e Coca-Cola/vá ao Centro de Cumaná/Lá, ambas, mãe e filha/trabalham pelo ianque dólar”. Os soldados iam ao delírio.
Todo o Caribe há muito estava sob o domínio de Tio Sam. Cuba, particularmente, desde 1898, quando os Estados Unidos derrotaram a Espanha na guerra pela posse da Ilha. O estopim fora o afundamento do USS Maine, enviado ao porto de Havana, para “garantir a segurança dos cidadãos e dos interesses americanos”, onze dias depois de o governo autônomo de Cuba haver tomado o poder.
Uma explosão no paiol do navio – interna, segundo investigações posteriores – foi atribuída à sabotagem espanhola, precipitando o conflito açulado, a propósito, pelos jornais da cadeia Hearst e Pullitzer.
Nos anos de 1940, época das Andrew Sisters, o esforço de guerra americano já havia levado Hollywood a descobrir as pernas de Carmem Miranda e a cobrir-lhe a cabeça com aqueles imensos chapéus de banana. Walt Dysney, em pessoa, era despachado, enquanto isso, ao Rio de Janeiro, onde criou a figura do Zé Carioca, cicerone do Pato Donald.
Um Getúlio Vargas premido, sobretudo, por torpedeamentos de navios da Marinha Mercante brasileira por submarinos alemães empenhados em cortar o transporte de víveres e matérias primas, embarcava o Brasil na guerra e cedia o espaço da Base Aérea de Parnamirim às tropas aliadas.
No Rio Grande do Norte, que exportou o biquíni, o chiclete e a Coca-Cola para o restante do País, os americanos também encontravam os favores de Maria Boa, uma paraibana de Campina Grande, dona de cabaré e, então, no comando de moças fugidas da fome e da miséria. Ela chegou a ser homenageada com a inscrição do próprio nome na fuselagem de um dos B-25, os aviões que faziam estragos nas tropas de Hitler, Hirohito e Mussolini. Trinidade e Tobago, o pequeno país de língua inglesa nos costados da Venezuela, também era, na ocasião, base americana no transcurso da Segunda Grande Guerra.
Mas voltemos às três irmãs e seu grande sucesso musical, um calypso com milhões de cópias vendidas. Letra maledicente e desmoralizante. Nenhum cuidado com os brios da população nativa.
As irmãs, de qualquer modo, estouraram nas paradas de 1945 enquanto a música era pivô de outra guerra, a travada na Justiça por direitos autorais. Um compositor acusava o outro de plágio. Além do mais, havia, ali, a propaganda indevida de duas bebidas. Há quem diga que este fato, naquele momento, chegou a contrariar de modo mais sério o senso de ética e decência das pessoas de bem. Lastimável, não?