Nelson Valente*
Virginia Lane, afirma que GV foi assassinado.
Getúlio tinha retornado “nos braços do povo” em 1951, depois de ter sido apeado do poder em 1945 pelos militares e por um descontentamento da intelectualidade com a falta de liberdades democráticas no período ditatorial iniciado em 1937. Alzira Vargas, sua filha e principal interlocutora, sustentou um intenso diálogo por correspondência com o pai durante os anos em que, recluso em sua fazenda no Rio Grande do Sul, Getúlio descansou, vacilou, hesitou, desistiu e finalmente cedeu às pressões para voltar, tendo sido, em 1946, o principal eleitor de Gaspar Dutra à presidência. Esta correspondência, saborosíssima por seus detalhes, clima gauchesco, e principalmente pela relação com Alzira, foi publicada em 2018, em dois alentados e caprichados volumes.
Getúlio volta eleito em 1951. Mas o cerco volta a se fechar. Perde o controle dos militares e de sua guarda de segurança após o atentado a Carlos Lacerda. Lacerda, ele também grande orador, vinha fazendo diatribes diárias contra Getúlio. Apesar de o governo ter aberto inquéritos para apurar responsabilidades, começa-se a falar em renúncia. No dia 22, o ajudante de ordens mostra a Alzira um bilhete com a letra de Getúlio: “À sanha de meus inimigos, deixo o legado da minha morte”. Alzira vai ao quarto, Getúlio está dormindo. Na manhã seguinte, 23/8, Alzira o interpela: “ué história é essa? Queres me matar do coração?” G. pega o papel e diz: “Sua bisbilhoteira. Não é nada disso que você está pensando. Você me conhece”. E ficou com o papel. Ao se encaminhar para o que seria a última reunião do ministério, G. assina uma folha de papel e dá a caneta a Tancredo Neves. Nesta reunião, convocada às 03h00 da madrugada do dia 24/08, Alzira invade a reunião, dá um soco na mesa e convoca à resistência. Getúlio encerra a reunião dizendo que só sairia morto do Catete. Às 04h45, o país é informado da decisão de Getúlio pela licença: “Caso contrário, persistiria inabalável o propósito de defender suas prerrogativas constitucionais com o sacrifício de sua própria vida”.
Getúlio acorda às 6 da manhã, mantém-se em seu quarto. Às 07h00, é informado que os militares deram-lhe um ultimato, o que significava sua deposição. Ainda de pijama e já, segundo relatos de funcionários, com algo pesado e volumoso no bolso do pijama, volta a seu quarto e, às 08h30, ouve-se o tiro. Ao lado do corpo, na mesinha de cabeceira, uma cópia da carta com sua assinatura. Antes das nove, a mensagem começou a ser irradiada pelo país, provocando uma grande comoção nas ruas.
“Matou-se Getúlio”. Mais adiante voltaremos a este sujeito indeterminado que também é um pronome reflexivo.
A lógica gramatical da fantasia: Ele se matou. Ele, Getúlio, quis matar-se. Ele (G.) quer matar-se. Nós matamos Getúlio. Getúlio se matou. Eu matei G.
No imaginário popular, o que importa é como a mídia descreve, interpreta, fotografa e divulga o mundo. A mídia pauta o mundo e forma ou deforma mentalidades. Se não saiu na mídia não aconteceu.
No mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Com o uso da internet, o volume de informação dificulta a compreensão num mundo caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show. Se deixarmos de ser “zumbis” culturais e aprendermos a ler o mundo, enquanto linguagem, aprenderemos a pesquisar, aprenderemos a aprender o essencial no mundo moderno.
Ninguém pode fugir à História. Clara ou oculta, essa “senhora”, está presente em nossas vidas. Sempre considerei importante. Não só ela, mas também esse cavalheiro, mais misterioso ainda, sem o qual ela não poderia existir: o Tempo.
Mas, e os “historiadores”? Seria um caso de psiquiatria?