Maria José Rocha Lima
Na última semana, deparamos nas mídias com informações da organização não governamental Todos pela Educação que dão conta de que haverá um aumento de 66% das crianças analfabetas nos dois primeiros anos do ensino fundamental, seis e sete anos. Como suportar um aumento de 66% dos analfabetos nas classes iniciais, se já estávamos no último furo, não tendo mais como piorar, quando se tratava de alfabetização. Já em 2018, antes da pandemia, apenas 30% das crianças da região Nordeste conseguiam se alfabetizar nos três anos de estudos. E no Brasil, apenas 50% das crianças se alfabetizavam até oito anos.
É espantoso e vergonhoso o número de crianças e jovens excluídos do básico direito de saber ler e escrever.
Em maio de 2018, o ex- ministro Rossieli Soares apresentou, na Comissão de Educação do Senado, um Panorama da Educação Brasileira altamente preocupante. Naquela ocasião, o então ministro celebrava a existência de 57 milhões de matrículas na rede pública, mas denunciava a baixíssima qualidade do Ensino Público. O ex – ministro informou, também, que em 2017 mais de 50% das crianças brasileiras não estavam alfabetizadas no terceiro ano do ensino fundamental e mais de 370 mil foram reprovadas ou abandonaram a escola em 2016. No Norte e Nordeste, esse percentual chegava a 70%. No 6º ano, somente 82,8% foram aprovadas, mais de 570 mil foram reprovadas ou abandonaram a escola em 2016, segundo fontes do INEP/MEC.
A que pontos chegamos? O aumento do analfabetismo escolar é mais um capítulo da tragédia que se constitui o ensino público no país, o ensino que não ensina, pior ainda, a escola que fabrica analfabeto.
Tudo é muito triste, pois mantemos as crianças por nove anos no ensino fundamental, gastamos ¼ do orçamento público, mas milhões de crianças e jovens pouco aprendem, e não são poucos os que saem da escola analfabetos absolutos ou funcionais. Será que todos esses milhões de estudantes que não aprendem são burros?
Tinha razão o economista, filósofo, escritor, tradutor e professor José Monir Nasser, quando afirmava que se sentia na obrigação pública de denunciar a autoilusão da educação que temos. “A educação que temos é uma fraude”. E muito grave: os professores são egressos desse sistema de ensino de má qualidade e propositalmente vítimas da tradição cultural de limitação dos seus horizontes culturais.
Para Nasser, “a precondição é destruir essa falsa equação entre educação e ensino. É preciso desmontar essa equação educação = a ensino, quando na verdade uma coisa nada tem a ver com a outra. Para Monir Nasser, “o que chamam de educação, no Brasil, não passa de um metodologia de distribuição de posições sociais, não se imagina de fato que alguém possa aprender algo relevante, nessa escola, nas condições existentes. O tipo de ensino serve apenas como um método para a distribuição de privilégios, que podem servir para fins de todos os tipos, sobretudo profissionais”.
O economista ilustra: “Imagine alguém que, estando à frente de uma grande empresa que precisa selecionar, por exemplo, ascensorista. Caso você não estabeleça uma quantidade enorme de obstáculos de qualificação, para a seleção você se depararia com uma lista de candidatos ao cargo que faria com que a empresa passasse cinco anos para concluí-la. Então, o pessoal de Recursos Humanos estabelece uma série de obstáculos, de exigências, como ter concluído o ensino médio, daqui a pouquinho, será preciso ter formação na área da administração de empresa”.
Como vemos, Monir Nasser denuncia o ensino moderno, apenas, como um meio de separar as pessoas com perspectivas diferentes, com capacidades para obter emprego. “Por isso toda discussão sobre educação é um debate vazio. Porque no fundo, no fundo, esse debate não passa de um debate sobre promoção social”.
Para mim, na verdade o debate da educação interessa bastante a empresários que realizam obras de construção, equipamentos, vendem livros, metodologias, serviços tecnológicos, gêneros alimentícios etc.
Todo ano há um debate sobre se aprova ou não automaticamente os alunos. Uns defendem promoção automática por cinismo: se é faz de conta, vamos aprová-los. Outros por serem otimistas, equivocados ou despreparados. Assim, entendem que promover automaticamente é uma iniciativa de reparação social.
Desse modo, aumentaremos ainda mais a desigualdade social, porque, diferentemente desses alunos analfabetos que jorram das torneiras das escolas públicas, os alunos das classes médias e alta têm equipamentos sofisticados, pais ou preceptores que os auxiliam nas atividades escolares.
Os alunos das classes populares, sem celulares, computadores e sem pais ou acompanhantes, para realização das atividades didáticas, estão entregues à própria sorte.
Não são muitos os alunos que têm a sorte de encontrar uma professora como Marinalva Alzira da Silva, do Centro de Ensino Fundamental da Candangolândia, que durante a pandemia e às vésperas da sua aposentadoria criou um grupo de alunos analfabetos, para ensiná-los a ler e escrever. São alunos que frequentam classes de 6º ao 9º anos do ensino fundamental, muitos com diagnósticos de transtornos de aprendizagem.
Maria José Rocha Lima é mestre e doutora em educação e psicanálise. é presidente da Casa da Educação Anísio Teixeira. Diretora Administrativa da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisas em Psicanálise ABEPP. Membro da Soroptimist International SI Brasília Sudoeste.