Chico Maria inventa de morrer num domingo, dia de preguiça, de acordar tarde, de nada fazer e de beber umas e outras. Mas ele tinha que marcar sua despedida em dia especial. Ele foi especial a vida inteira e não poderia ficar diferente na hora de ir embora.
E eu achava que Chico seria eterno.
Gostava de brincar com a eterna juventude dele.
Nas manhãs de conversas amenas na antiga sede da Associação dos Procuradores, que ele frequentava sob a batuta de Assis Camelo, trocávamos impressões, comentávamos sobre a vida, dele ganhei um livro autografado sobre os bons tempos do Confidencial que ele apresentava na TV e para onde levou, para entrevistar, figuras históricas da política nacional como Brizola, Arraes e Tancredo Neves, em suma, dava gosto conversar com Chico, aprender com ele.
E as suas crônicas poéticas sobre Campina e seus personagens me ensinaram muito, deram norte aos meus escritos, que, mesmo não brilhando tanto como os dele, se esforçaram para ficar ao menos parecido.
Um dia Chico sumiu, não foi mais à Aspas, tampouco parou no cafezinho do Viaduto para meia hora de conversa. Aliás, com ele também sumiu o cafezinho, virou fumaça, sumiu no tempo. Hoje aquele Ponto de Cem Réis daqueles tempos não passa de um amontoado de carrinhos e mesas ambulantes cheias de bananas, acerolas, inhames e outros bichos do mato. Com elas dividem espaço os drogados sem teto que dormem nos bancos dos engraxates tendo as estrelas do céu como teto.
Chico Maria estava internado desde a semana passada, numa UTI de um hospital em Campina Grande, onde tratava-se de problemas cardíacos. Com mais de 90 anos de vida, muitos dos quais dedicados à imprensa paraibana. Na definição do crítico Paulo Maia, em artigo no “Jornal do Brasil”, a TV Borborema, sem maiores recursos técnicos, conseguia produzir um dos mais significativos e importantes programas de entrevista – “talvez o mais” – do telejornalismo brasileiro. Duas vezes por semana, políticos e personalidades distintas do próprio cenário nacional submetiam-se a uma saraivada de perguntas, as mais contundentes, “puxadas” pelo apresentador e seguidas pelo público, que telefonava ao vivo, na hora do programa, para formular suas questões anonimamente.
Biografia – Chico Maria foi delegado de polícia da cidade e chefiou a polícia paraibana no governo Pedro Gondim. Passou a publicar crônicas e reminiscências pessoais e locais numa coluna no “Diário da Borborema”, o principal jornal de Campina Grande. Tornou-se uma revelação, porém, como entrevistador. Assim o definia Paulo Maia: “Firme, sem agredir, Chico Maria não recua ante algum entrevistado mais agressivo e não deixa o mais demagogo ficar girando em torno de meias-respostas. Formula as perguntas de maneira sóbria, mas sem vacilar, o que já é elogiável num pequeno e pobre Estado nordestino em que a grande massa da população vive à mercê de favores e do empreguinho da política oficial”. Entre meados de 80 e 90, Chico Maria atuou na TV Cabo Branco, afiliada da Globo em João Pessoa, apresentando o “Paraíba Meio Dia”, juntamente com o jornalista Nonato Guedes, mantendo o estilo polêmico e irreverente de perguntar, o que lhe valeu a consagração popular.
O cronista Gonzaga Rodrigues, em prefácio ao livro “Confidencial”, dizia que Chico não tinha meias palavras. “Pergunta ao deputado federal Plínio Lemos, o microfone aberto, o que nenhum outro inquisidor teria a desenvoltura profissional de perguntar: Por que o sr. mandou matar Félix Araújo?”. Como perguntou a Luís Carlos Prestes, acredito que único repórter do Brasil a usar estes termos: “Como o senhor apertou a mão de Getúlio (Vargas) sabendo que ele entregou sua mulher, grávida, a Hitler, para ser morta nos campos de concentração?”. Ao missionário frei Damião de Bozzano, que ganhou prestígio nos sertões nordestinos, Chico Maria indagou se ele acreditava em Deus. O capuchinho chorou no estúdio artesanal da TV Borborema em Campina Grande. (blogtiaolucena)