Portaria traz uma regra que deveria vir por meio de lei, pelo Legislativo – e não pelo Executivo, além disso a medida contradiz a Constituição
A portaria do Ministério do Trabalho que proíbe empregadores de exigir o certificado de vacinação dos funcionários contra a covid-19 provoca insegurança jurídica e é inconstitucional, segundo advogados consultados pelo Estadão. Isso porque a portaria traz uma regra que deveria vir por meio de lei, pelo Legislativo – e não pelo Executivo, como ocorreu. Além disso, especialistas apontam que a medida contradiz a Constituição: vai na direção oposta ao artigo que determina que empregador tem a obrigação de garantir ambiente de trabalho seguro e saudável.
“Portaria não é lei. Então, por si só, se a portaria contraria a lei, ela não pode ser considerada válida. Em termos de hierarquia, a portaria é um mero decreto administrativo e ela será muito questionada”, diz o sócio do escritório Soto Frugis Advogados Antonio Carlos Frugis. Ele destaca, sobretudo, que esse não é o único problema. O advogado lembra que ela também contraria portaria prévia do Ministério da Saúde, que obriga empregados a apresentar carteira de vacinação antes da contratação. “A portaria nasceu equivocada e poderá ser revista em breve.”
A portaria foi publicada na segunda-feira em edição extraordinária do Diário Oficial da União. Em postagem no Twitter, o ministro Onyx Lorenzoni disse que “ameaçar de demissão, demitir ou não contratar por exigência de certificado de vacinação é absurdo”.
Daniela Yussa, sócia do Stocche Forbes Advogados e especialista em Direito Trabalhista, afirma que chamou atenção a comparação que o texto trouxe com uma lei que proíbe a exigência de atestados de gravidez para efeito admissional. “Para mim, é uma aberração fazer essa comparação. Uma grávida não traz um risco de saúde ao ambiente de trabalho.”
POPULISMO
Para o advogado Maurício Pepe De Lion, sócio da área Trabalhista do Felsberg, a portaria é populista. Isso porque já havia decisões permitindo a demissão de quem não apresentasse o comprovante de vacinação. “Todos os princípios mencionados na portaria envolvem a questão individual, e não o direito coletivo, que é o caso da pandemia.” Ele explica que, se um funcionário ficar doente e passar para outras pessoas ou se alguém morrer, a empresa pode ser responsabilizada. “Isso traz insegurança.”
Além do fato de a portaria não ser lei, o sócio da área trabalhista do escritório Tocantins & Pacheco Advogados, Bruno Tocantins, afirma que o texto desagrada aos empregados e empregadores e aumenta as chances de a legalidade ser questionada na Justiça do Trabalho. “A portaria dispõe que a demissão por justa causa, no caso de não apresentação do comprovante de vacinação, é entendida como ato discriminatório. Mas o texto nada estabelece sobre dispensa sem justa causa.”
O advogado Rodrigo Nunes, da Cascione Pulino Boulos Advogados, também destaca esse ponto, pois a portaria não fala de demissão sem justa causa. “Antes mesmo dessa medida, já vinha orientando as empresas a fazerem os desligamentos sem justa causa.” Para Nunes, a decisão política cria insegurança e estressa a relação entre patrão e funcionários.
Para Marcus Chiavegatto, sócio do MLA – Miranda Lima Advogados, a portaria, “mesmo sendo bem-intencionada, gera desconforto para as relações entre empregado e empregador e não deve surtir efeito, pois, além de algumas questões controversas, uma portaria não pode excluir ou criar direito não previsto em lei”.
Sindicatos
Em nota conjunta, nove centrais sindicais, como CUT, Força Sindical e UGT, criticam a decisão do Ministério do Trabalho e afirmam que defendem a necessidade de apresentar o comprovante de imunização para frequentar lugares públicos, inclusive no ambiente de trabalho. Para as centrais, a Portaria cria um ambiente de insegurança e desproteção sanitária.
“Mais do que uma distorção do entendimento sobre as regras de convívio social, essa é a nova demonstração, por parte do governo, de total falta de sensibilidade e empatia”, destaca a nota.
*Estadão Conteúdo/JBr