Nota técnica divulgada por grupo de pesquisadores de universidades brasileiras e portuguesa ainda aponta que a capital pode chegar a 10 mil mortes até setembro
Em nota técnica divulgada na quarta-feira (31/3), um grupo de oito pesquisadores de universidades brasileiras e de Portugal apontou que 39% da população do DF foi infectada pelo vírus causador da covid-19 desde o início da pandemia. O valor está muito abaixo da chamada imunidade coletiva — quando entre 60% e 80% da população contraiu a doença. A taxa da capital federal é a mesma do estado do Rio de Janeiro. Juntas, as duas unidades federativas ocupam o 3º lugar da lista, liderada por Amazonas (46%). Mato Grosso (44%) aparece em seguida. “Permitir que a pandemia se alastre até atingir a imunidade coletiva seria desumano e antiético, e implicaria em um número de mortes muito maior do que o já observado até hoje”, defende a equipe.
O trabalho também mostra a taxa de transmissão da doença no DF por meio de dois modelos de cálculo: a partir dos casos confirmados (0,97) e por meio do número de mortes (1,36). A grande diferença entre os resultados ocorre por conta da subnotificação de casos e da baixa testagem. “É importante ressaltar que o valor obtido com a série de mortes é muito mais confiável do que o obtido com a de casos”, explica a nota. Para que o cálculo por meio do número de casos fosse próximo do real, seria necessário esperar ao menos duas semanas para consolidar os dados. O tempo inclui a procura por atendimento médico, a realização do teste e o resultado. Os pesquisadores ressaltam a situação “extremamente grave” do DF e sugerem a implementação imediata de “medidas duras de distanciamento social’’.
Na nota, os pesquisadores projetam a quantidade de mortes por covid-19 no DF até setembro, a depender da quantidade da população vacinada. Se apenas os habitantes acima de 60 anos estiverem imunizados até lá, a capital federal atingirá cerca de 10 mil mortos pela doença. O cenário muda para pouco mais de 8 mil óbitos caso toda a população seja vacinada.
O professor Tarcísio Marciano — do Núcleo de Altos Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB) e um dos integrantes do grupo — esclarece, no entanto, que a projeção de todos os habitantes vacinados é otimista em excesso. “Vamos demorar para vacinar toda a população. Mas, no ritmo atual, ainda vai morrer muita gente até a vacinação começar a impactar. Se chegarmos à metade da população vacinada em setembro, será um milagre. Por isso precisamos de lockdown e vacinação”, afirma. “Nos desafios, supomos 50 milhões de doses por ano, que será a produção total quando a Fiocruz e o Butantan estiverem a pleno vapor”, explica o pesquisador.
Segundo Tarcísio Marciano, com o estágio avançado em que a pandemia se encontra hoje, a vacinação não evitaria o crescimento dos casos. É por isso que, na nota, o grupo previu basicamente a mesma quantidade de pessoas infectadas no DF, independentemente da parcela da população vacinada. No caso das mortes, há diferença entre os cenários porque “vacinando primeiro os idosos, protegemos quem mais morre”, destaca o professor.
Segundo Tarcísio, é ilusão que a pandemia será resolvida rapidamente com o início da imunização. “É preciso vacinar quase toda a população, inclusive crianças. Senão, estaremos apenas diminuindo a intensidade da pandemia e continuaremos com ondas repetitivas. Sem falar na possibilidade de que novas cepas reinfectem quem já teve a doença, como acontece com a gripe”, ressalta.
As notas técnicas produzidas pelo grupo não têm periodicidade fixa. Desde o início da pandemia, foram produzidas mais de 10 e, agora, a equipe está fazendo também notas para cada um dos estados e o Distrito Federal.
Palavra de especialista
crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press
Importância das medidas de restrição
“Já sabemos que temos uma cepa mais infectante, sabemos que temos maior demanda de leitos que em 2020 e temos conhecimento de todas as medidas básicas e mínimas para evitar o contágio. Mas, ao que parece, uma parte da população ainda não entendeu o seu papel crucial no ciclo de transmissão da doença. O resultado não poderia ser diferente: centenas de pessoas na fila de espera de UTI. Pessoas morrendo sem atendimento adequado. Independentemente da decisão judicial, quem pode ficar em casa, tem obrigação pessoal e moral de ficar. No final das contas, os profissionais de saúde, que já foram chamados de heróis (mas que só querem fazer seu serviço de forma correta), serão os vilões da história, porque terão que escolher a quem atender.”
Ana Helena Germoglio, infectologista
Com informações do Correio